Não
por recomendação médica ou almejando perder alguns gramas pelas ruas.
Caminhamos por caminhar. Varamos horas por ruas e trilhas da cidade. Subimos
comunidades por vielas estreitas escoltados por valentes cães sarnentos, gatos
arredios, fios caóticos cruzando nossas cabeças, crianças correndo descalças,
soltando pipa na laje, mulheres estendendo roupas no varal, homens unindo
tijolos para mais um cômodo. Chapéu Mangueira, Dona Marta, Cantagalo, Vidigal,
cheiro de arroz refogado no alho, feijão preto com costela e carne assada na
panela. O samba e o funk impulsionados pelo vento, suor e alento na vista da
cidade.
Percorremos
recantos de mansões escondidas por muros altos e câmeras de segurança, jardins
perfeitos, carros brilhantes com vidros escuros sugados por garagens de portões
com pintura nova e nenhuma viva alma nas ruas com cheiro de nada. Pinçados na zona
sul, zona norte, zona oeste. Beleza de mega-sena entre o desejo empírico e o
repúdio lógico.
Trilhamos
floresta adentro até a Cachoeira dos Primatas, Pedra do Urubu, Pedra da Gávea,
Morro da Urca, Paineiras e toda a Floresta da Tijuca a mercê dos nossos passos,
suas jaqueiras gigantescas, micos, esquilos, samambaias e aquelas florzinhas
coloridas que crescem como mato na beira das trilhas. Grutas e abismos, sombras
itinerantes, cheiro de terra e folha, pássaros furtivos e águas lambendo pedras
escorregadias.
Nos
dias de preguiça ficamos pelo nosso quintal mesmo acompanhando as gentes
múltiplas do Aterro do Flamengo. Bicicletas, muitas bicicletas, próprias e
alugadas, carrinhos de bebês estacionados sob a soberba castanheira, areia
branca assoviando nos pés, frescobol, vôlei de praia, futebol, basquete, esqueite,
tênis, carteado, porrinha e há quem nade nas águas temperadas pelo rio Carioca.
Gatos deitados nas pedras pegando sol na barriga, labradores mergulhando no mar
para pescar cocos lançados por orgulhosos donos. Atletas profissionais e de fim
de semana correm na areia dura, na molhada, na grama, no asfalto e na calçada.
Tudo se move, até o solitário leitor ao virar a página ao som das maritacas.
O
segredo da caminhada é diversificar. Nada mais estimulante que bater perna nas
ruas do Centro do Rio, concreto e vidro da Avenida Rio Branco, igrejas escuras,
pedras portuguesas, Mosteiro de São Bento, lixo e assombro, cores e sons do
comércio caótico do Saara, escavações arqueológicas, Gamboa, Pedra do Sal, Beco
das Sardinhas, história, arquitetura e luxúria. Mercadão de Madureira e suas
lojas de atacado e varejo, venda de carrinhos de pipoca, panelas, barcos de
oferenda, objetos de cultos, umbanda, candomblé, santos católicos, evangélicos
pregando na rua, bijuterias. CADEG, bolinho de bacalhau, festa portuguesa,
flores e vinhos. Mercado São Sebastião, o de São Pedro de Niterói com peixes prateados,
dourados e camarões frescos.
Meu
companheiro andarilho, que não se importa de não conseguir diferenciar chinês
de coreano, em tudo vê o verde, encontra pitanga no pé entre o muro e o poste,
mangueiras majestosas rasgando o teto de um restaurante, diferencia limoeiro de
laranjeira, tangerina; sabe se o pé é de limão galego ou siciliano só olhando
as folhas. Cheira pé de louro e amassa folha de eucalipto para aromar o bolso.
Chama sabiá, quero-quero, mico e outros bichos pelo nome e sobrenome. Eu, com
meus instintos e paixões urbanas, sorvo o prazer do asfalto molhado e a sedução
exata dos paralelepípedos.
(Esta crônica homenageia o meu
companheiro andarilho, rei e escudeiro Sammy Angeli, meio século hoje;
interaço!).
Comentários
Vocês dois são um casal abençoado, e o seu companheiro andarilho tem muito para se orgulhar de você.
Parabéns a ele pelas cinquenta primaveras... inteireças!
Felicidades para os dois
my