ABRICÓ CANADENSE
Pensei em escrever algo para a
despedida de uma amiga canadense prestes a voltar ao lar depois de uma
exaustiva temporada carioca. Algo que a fizesse ter lampejos de saudade das
cores e sons do Rio quando estivesse tomando um vinho aos pés de uma lareira
enquanto a neve caísse romanticamente lá fora através da janela; bobagem, logo não
permitirei cenas pobres procriando em minha mente.
Os canadenses são famosos pela
tolerância e respeito pela individualidade. Eu gostaria que minha amiga, que
além de ser do bem ainda ostenta um intrigante sorriso de desenho animado, levasse
uma lembrança significativa para a sua terra. O tema “partida” ficou martelando
minha cabeça e não consegui encaixar o termo à despedida e sim à divisão, ao
rompimento e à nossa cidade partida.
Ônibus. Os ônibus sempre têm respostas.
Peguei a linha 498 no Largo do Machado. Sentei ao lado da mulata farta, vestido
florido, toalhinha no ombro, bolsa grande, fala fácil. Anéis. Quem usa muitos
anéis tem muita história para contar. Fomos do bom dia ao papo íntimo em reles
segundos só contemporizados pelo relógio do piscar carioca da garota no ponto
para o cara na banca de revistas, aquele tempo registrado entre o convite passa
lá em casa e o tô chegando se nem saiu de casa ainda. Atemporal, esta cidade se
oferece aos viajantes. Venham e deixem seus temporais desabarem por aqui. Não
nos assustamos fácil e gostamos da diversidade. Depois juntamos os cacos e
criamos a partir de novas informações e valores. Tragam seus sotaques e peles
amarelas, rosadas, negras e tatuadas. Bebam nossa caipirinha, mas se deixem
aqui também. Derramem suas tintas e sons sobre nossos morros e praias sem matar
a arte existente. Tragam seus euros, gourdes, dinares, dólares, coroas
dinamarquesas ou não tragam nada; venham conquistar. Entrem em nossas casas,
praças, florestas e águas, mas levem seus restos; já temos que lidar com os
nossos. Cantem e dancem, amamos a festa, mas também o canto escandaloso das
cigarras e das maritacas. Ainda fazemos silêncio para assistir a corrida dos
micos pelo fio e das ondas pela encosta do Arpoador. Não à toa vivemos entre o
mar e a floresta. Às vezes ficamos
putos, muito putos. Principalmente quando um puto chega aqui e se acha.
Se perca.
Na bagagem, minha amiga, leve o que há
de melhor e de pior do Rio: fragmentos de um povo sem origem completa que se
reinventa todos os dias às topadas em suas ruas nervosas e escorregadias de
suor.
Comentários