Cavalo de Troia (6º lugar no desafio www.entrecontos.com.br)
Com
Betão não tem tempo ruim. Encara cave jump, escalada na chuva, mergulho de
plataforma de petróleo, mulher ciumenta, chefe burro e turismo no Complexo do
Alemão. Sem contar que é ciclista no Rio de Janeiro. O cara é foda.
Ou
quase.
Em
segredo mantém-se refém de um inimigo íntimo de alta periculosidade terrena. A
simples visão de um espécime rondando uma inocente banana causa-lhe espasmos
neurológicos com reflexos imediatos no controle de todos os esfíncteres. A boca
se contrai até os lábios beijarem a goela. As pernas bambeiam e o suor arde nas
pálpebras. Entretanto, apenas uma leve
espuma seca no canto da boca poderia denunciar o inferno dantesco em que Betão
cai quando percorre os perigosos mercados e feiras.
Aprendeu
táticas de dissimulação e guerrilha desde a infância, embora preferisse evitar
o combate corpo a corpo. Aprimorou com o
tempo. Pode-se dizer que hoje é um especialista em seu medo. Maquiavel ficaria
orgulhoso.
As
manhãs de sábado eram especialmente difíceis. Adentrava o campo de batalha bem
cedo enquanto o exército inimigo ainda dormia. Sabia que a virgindade das
frutas, ainda não bolinadas pelos infectos dedos dos clientes, seria
fundamental para evitar o avanço inimigo. Treinou os olhos para identificar o
movimento furtivo dos ignóbeis. Tudo anotado numa planilha. Não saía de casa
sem um estudo profundo.
Um
dia acordou tarde e achou mais seguro sortear uma carta no tarô moderninho on
line antes de ir às compras:
“A morte:
Pousa teus vermelhos
olhos
Na minha doce
decomposição
Vem me encarnar o teu
fel
Enquanto a vida
escorre
Só os podres
renascerão.”
Entendeu
perfeitamente a mensagem. Não sairia de casa. Nem do quarto, nem da cama e nem
do facebook. Melhor mijar numa garrafa e fazer jejum até a meia-noite besuntado
de repelente e armado de inseticida. Beber Coca-Cola com energético durante a
vigília até as pupilas dançarem rumba.
Quando
a campainha tocou sentiu o toque da besta no ombro. Era o sinal. Mas não iria
abrir nem que fosse a própria mãe estrebuchando na porta. Pelo olho mágico
filmou a gostosa do 102 com um cacho de bananas maduras entre os peitos. Pode
ver toda aquela formosura cercada por nuvens de aviões inimigos. Os dentes da
vizinha escancarados num sorriso de metralhadora. As drosophilas melanogáster
brincando entre suas mechas douradas. Vade
retro Nosferatu! Maldito Cavalo de Troia!
Abriu
a porta.
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