Emergência
- Boa tarde, doutor. Estou morrendo...
- O que a senhora sente?
- Dor no corpo, febre, piriri, enjôo, ardência na gengiva quando bebo chope mal tirado e coceira no dedão do pé esquerdo...É grave?
Cutuca daqui, escuta dali, luz na garganta, nos olhos, nos ouvidos, bolina barriga, sovaco, pélvis, pescoço e nuca. Sentença imediata:
- É virose. Vitamina C, antiinflamatório por sete dias, antitérmico quando tiver febre e repou...
- Virose? Mas que vírus? Ebola? Gripe espanhola? Herpes?
- Virose simples, passageira.
- E a coceira no dedão?
- Frieira. Vou passar um talco e...
- E a gengiva?
- Não tem nada aparente, mas a senhora deve procurar um dentista regularm...
- Mas assim? Virose e pronto? Sem tomografia computadorizada? Nem um modesto kit exame de sangue e urina? Fezes! Há muitos anos não faço um exame de fezes. Nunca gostei de sair por aí com aquele potinho cheio. Mas, pela saúde, faço qualquer negócio. O doutor não acha que pode ser uma solitária devorando as minhas entranhas?
Doutor perfumado, barbeado, jaleco branco, olha muito fixamente a vítima:
- Não creio. Vou passar um vermífugo para tomar apenas um comprimido por prevenção.
- Sei...Olha, eu sou fumante ativa; e se for um efizema terminal ou tuberculose crônica ou pneumonia galopante? Veja bem a sua responsabilidade...
- Virose.
- Uma abeugrafiazinha não custa nada, não é doutor?
- Tome os remédios e volte daqui a dez dias.
- E se eu morrer até lá? O senhor garante meu pronto restabelecimento? Presta atenção: tenho histórico na família de câncer, diabetes, cardiopatia, esquizofrenia e neuroses múltiplas. Não seria melhor investigar?
- A senhora pode procurar uma outra opinião, talvez a de um terapeuta...Deixar de fazer pesquisa sobre doenças na internet já ajuda bastante...
- Essa manchinha no braço, também é da virose?
- Sol. Protetor solar evita as próximas.
- O doutor sabia que dengue e febre amarela são de comunicação obrigatória aos órgãos de saúde?
- Não é o seu caso. Virose, comum no verão. Boa noite e...
- Não! Espera! Eu tenho um agravante. Sou da geração 80, aquela que não media escrúpulos para se divertir. Sabe como é, não é doutor?
- Sei. Tome os remédios e vá dormir. Amanhã vai acordar bem melhor. Boa noite e, por favor, na saída chame o próximo paciente.
- Tem certeza, doutor?
- Tenho.
Magoada resmunga batendo a porta:
- É por isso que eu não gosto de médico, além deles não fazerem nada do que a gente quer, não possuem um pingo de imaginação!
Comentários
Sylvia Regina Marin | Email | Homepage | 01-03-2008 19:33:09
Sou o Ivo da pça. São Salvador. Ainda não li tudo, mas gostei muito do primeiro. Você tem um jeito leve de escrever. São contos de costumes, quase crônicas.
Abraços