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Mostrando postagens de 2015

Meu primeiro assédio

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                             O assunto da moda é o primeiro assédio. Antes de entrar neste ponto gostaria de contar como descobri que era diferente dos meninos. Eu tinha dez anos e não lembro o que estava fazendo. Soltando pipa, fazendo cerol, jogando queimado, pique esconde, pique bandeira, pelada, amarelinha? Não sei. Estava descalça e sem camisa, só de short, como todas as crianças que brincavam no asfalto fumegante enquanto não vinha carro. As camisas e chinelas ficavam amontoadas na calçada. Neste dia minha mãe me arrastou pra casa e me informou oficialmente: “Você é uma mocinha e não pode mostrar os peitinhos na rua.” Aleguei a mais pura verdade, que eu tinha peitos iguaizinhos aos dos meninos e que eu brigava com eles de igual também. Até os meus cabelos curtinhos e desgrenhados eram iguais aos deles.   Piorou minha situação, fiquei de castigo meia hora porque lá em casa ninguém nunca apanhou e castigo tinha limite; eu é que não tinha. Vira e mexe “esquecia” da proibiçã

Um quilo de tomates (7º lugar no desafio www.entrecontos.com.br)

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¾     Glorinha, minha flor, precisa de ajuda aí na cozinha? ¾      Mô, vou fazer aquela macarronada que você adora. Vai lá ao mercado rapidinho e traz um quilo de tomate bem maduro. Um quilo só e tem que ser do débora que é pra molho. Traz também uma garrafa de vinho daquele que só você sabe escolher.                     Era a deixa que Reboque estava esperando. ¾      Pode deixar, minha flor, volto já! ¾      Olha só, vai pela avenida para não passar pelo boteco do Seu Dodoca. Se eu tiver que sair daqui e te encontrar jogando porrinha com aqueles trastes eu te mato. ¾      Não vou passar nem perto.                     Reboque chega esbaforido. A mesa para a Grande Final do Campeonato de Porrinha do Boteco do Seu Dodoca já está lotada. ¾      Porra, Reboque, já ia começar sem você! ¾      Só por cima do meu cadáver.  Vou soprar você da mesa rapidinho, Farofa. Bora logo que hoje eu estou possuído. Não tem pra ninguém. Seu Dô, traz logo uma gelada para lavar a serpen

A Nave (40º lugar no desafio www.entrecontos.com.br)

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          A Nave foi criada através de um estudo que durou meio século. Dotada de atmosfera autorregulável e autolimpante prescindia de filtros. Transparente em toda sua circunferência recebia luz regulada naturalmente, alimentando seus geradores dia e noite. Gerava sua própria água fundindo luz com o oxigênio artificial. As hortas não manipuladas eram semeadas, nasciam, cresciam e eram colhidas pela própria nave, evitando assim contaminação cruzada. Estava preparada para uma longa viagem. O feito inédito, visitar um planeta de outra galáxia, exigiu um plano de exatidão matemática. A nave seria lançada através do grande arco atmosférico que se abria periodicamente. Uma grande massa de ar empurraria a densidade da nave maleável para o espaço. A viagem seria lenta e longa. O pouso estava previsto para  09:42:12 horas de 03/07/2463 – hora local - em um campo  de luminosidade intensa porém fresca, solo macio apenas o suficiente para suavizar o impacto do pouso. O lançamento foi

Cavalo de Troia (6º lugar no desafio www.entrecontos.com.br)

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         Cavalo de Troia          Com Betão não tem tempo ruim. Encara cave jump, escalada na chuva, mergulho de plataforma de petróleo, mulher ciumenta, chefe burro e turismo no Complexo do Alemão. Sem contar que é ciclista no Rio de Janeiro. O cara é foda.          Ou quase.          Em segredo mantém-se refém de um inimigo íntimo de alta periculosidade terrena. A simples visão de um espécime rondando uma inocente banana causa-lhe espasmos neurológicos com reflexos imediatos no controle de todos os esfíncteres. A boca se contrai até os lábios beijarem a goela. As pernas bambeiam e o suor arde nas pálpebras.  Entretanto, apenas uma leve espuma seca no canto da boca poderia denunciar o inferno dantesco em que Betão cai quando percorre os perigosos mercados e feiras.          Aprendeu táticas de dissimulação e guerrilha desde a infância, embora preferisse evitar o combate corpo a corpo.  Aprimorou com o tempo. Pode-se dizer que hoje é um especialista em seu medo. Maquiavel f

É a da feira?

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¾    Bom dia, o senhor pode me dar uma informação? ¾    Só se for agora! ¾    A Rua Senador... ¾    ...Vergueiro? Facinho. Pega aqui a vida toda, quando não der mais mão chegou. ¾    Senador Corrêa. ¾    Ih, esse senador é mais difícil. Ô Parafuso! Vem cá, traste! Larga essas caixas agora! ¾    Deixa, moço, ele está trabalhando. ¾    Trabalhando nada. Tá só enrolando para não fazer entrega. Ô menino, já fez entrega na Rua Deputado Corrêa? ¾    Senador... ¾    Aquela da feira, dona? ¾    Não sei, não conheço, é que... ¾    Deixa de ser abilolado. Tem feira todo dia na cidade toda. Segunda, terça, quarta, quinta, sexta-feira, sábado-feira, domingo-feira, feriado-feira. De que feira você está falando? ¾    A do Corpo de Bombeiros, chefe. ¾    Ah, bom. Por que não falou logo? Mas não tem mais feira lá. Acabou faz mais de década. O Seu Manoel da barbearia deve saber. Ô Mané, vem cá, Mané! ¾    Que é homem de Deus? Não vês que estou a barbear? ¾    É rapidinh

ABRICÓ CANADENSE

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                                                         Pensei em escrever algo para a despedida de uma amiga canadense prestes a voltar ao lar depois de uma exaustiva temporada carioca. Algo que a fizesse ter lampejos de saudade das cores e sons do Rio quando estivesse tomando um vinho aos pés de uma lareira enquanto a neve caísse romanticamente lá fora através da janela; bobagem, logo não permitirei cenas pobres procriando em minha mente.              Os canadenses são famosos pela tolerância e respeito pela individualidade. Eu gostaria que minha amiga, que além de ser do bem ainda ostenta um intrigante sorriso de desenho animado, levasse uma lembrança significativa para a sua terra. O tema “partida” ficou martelando minha cabeça e não consegui encaixar o termo à despedida e sim à divisão, ao rompimento e à nossa cidade partida.          Ônibus. Os ônibus sempre têm respostas. Peguei a linha 498 no Largo do Machado. Sentei ao lado da mulata farta, vestido florido, toalhin

Há 30 anos

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         1985 foi um ano quente, muito quente. Os acontecimentos se empilharam formando uma torre colorida e desconexa como a geração da época. Fora as tragédias inevitáveis e evitáveis, foi um ano espetacular.          Começamos o ano bem. O regime militar brasileiro foge pela porta dos fundos e dois ditadores falecem: Konstantin Chernenko e Emílio Garrastazu Médici.  Ocorrem eleições diretas para as prefeituras das capitais, das cidades litorâneas e de municípios "enquadrados" pela antiga   Lei de Segurança Nacional   no Brasil, em quase 20 anos. Surge no Brasil a primeira  Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher em São Paulo. E o Prêmio Nobel da paz vai para médicos Internacionais pela prevenção da Guerra Nuclear.          Michael Stuart Brown e Joseph Goldstein ganham o Nobel de medicina p or elucidar   metabolismo   do   colesterol   no organismo humano. O inquieto Claude Simon conquista o Nobel de Literatura enquanto o  oceanógrafo   Robert B