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Mostrando postagens de outubro, 2008

Porque o inferno se perdeu

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Bolas de sabão explodem alopradas pelo vento Pegá-las! Pegá-las em correria desatinada Canta de roda a ciranda que foi minha e foi tua No meio da rua que mandava ladrilhar Com cerol de vidro amassado com cola polar Batatinha-frita-um-dois-três vezes pula a perna num pé só Amarelinha de um ao céu, porque o inferno se perdeu No pique da bandeira hasteada no pátio da escola Hino nacional cantado de conga e meia três quartos Sempre desarrumados tal estratégia de queimado Corre! Corre que lá vem bola! Topada e ronxa Não dói nada. Nem sarampo, catapora ou febrão Impede correr atrás de doce em dia ou noite De São Cosme e Damião.

Abelhas e moscas

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Olhou para o ponto no teto insone e pensou: As abelhas e as moscas Devem ser da mesma raça Mas freqüentam igrejas diferentes.

A flor de Adriana

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Sentei na mureta da praça e, pela primeira vez depois que saí do prédio, levantei o queixo para a estátua úmida e dura como o meu coração. A sensação era igual a de abrir os olhos pela manhã: nada. Havia uma névoa torpe nos meus passos. Coisa estranha. O nada vem acontecendo todos os dias em todos os momentos. Por que continuar se só o limbo aguarda do outro lado da praça? Sempre achei incômodas essas pessoas que passam sorrindo para os próprios chinelos. É um sorriso cheio de prazer íntimo. O interessante é que não têm em comum a idade, a cor, o sexo, só o sorriso abestalhado. Lá vem o maior dos enigmas, a pequena Adriana e sua velha mãe sacrificada. Ela vem saltitando seus pezinhos gordos. Ao contrário dos outros, sorri para as árvores, abraça o pipoqueiro, acena para o mendigo e também para o guarda. Perito algum encontraria vestígios de lágrimas naqueles apaixonantes olhos mongóis. Seus cabelos feitos de nanquim balançavam inquietos. Ela me olhou. Desviei o olhar, sua felicidade me

O balde cheio

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Chovia, mas chovia muito na cidade maravilhosa. Mas era tanta torneira despencando dos beirais que não mais se via a via expressa, somente bueiros ferventes. O rio Carioca enlaçava-se às pernas hesitantes das almas encharcadas. Os inevitáveis carros dos bombeiros gritavam vermelhos ao fazerem marolas sobre as calçadas escondidas. As árvores dançavam bêbadas a música do caos, lançando folhas ao vento como filhos à própria sorte. Lá em cima, baldes sôfregos corriam de mão em mão, urgentes em salvar o barraco afogado. O céu rugia nas encostas lançando fleches assustadores no paredão de pedra, tal qual correspondente de guerra tirando fotos a cada rajada de raios torturantes. A geladeira pulou para cima da mesa, o fogão, já sem ar, soltava uma fumacinha ardida de gás. Balde de mão em mão, suor, balde, lama. O coração pulava apertado no peito enrugado. Balde, balde, barro, lama, suor e mais lama do céu crescendo de baixo para cima. Balde de mão em mão, barro, lama, mão e mais barro já em so

A garota do telhado

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Chegava da escola arrancando o uniforme e vestia somente um shortinho de algodão. Passava na cozinha, enchia um prato fundo de feijão com arroz e farinha. Comia sentada no chão fazendo bolinhos com as mãos, ladeada por gatos que destrinchavam sardinhas sobre um jornal. Terminada a refeição, divertia-se deixando que os gatos lambessem suas mãos. Corria para o quintal, alçava o muro e ganhava os telhados. Ali, era a rainha dos gatos, sempre com um séquito de rabudos no encalço. Conhecia os gatunos pelos nomes por ela mesma batizados. Brincava, cochilava e embolava com os felinos pelas telhas do quarteirão entre a Rua Uberaba e o Largo do Verdun. Os vizinhos já a conheciam, os cachorros também; nem por isso aceitavam aquela gata magrela em seus muros: latiam, jogavam água, praguejavam. Ela? Fugia como um gato, mas ria; coisa que os companheiros não sabiam fazer. O tempo foi crescendo, o short apertando, os telhados subindo, a noite chegando, as regras nascendo e os gatos morrendo den