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Mostrando postagens de dezembro, 2009

Papo mole beira-mar

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Jorginho é taxista legítimo: folgado, cabeleira branca e barriga farta, boa praça, poliglota, puxa conversa até com surdo-mudo e conta histórias clássicas do cotidiano do Rio. Lábia afiada leva, na maciota do banco traseiro, a fauna e a flora carioca. Trabalha de segunda a domingo e de sol a sol. Ano novo entra em recesso. Encosta o amarelo na garagem do apartamento da mãe na Praça do Lido para passar a virada com a família; bem longe da lei-seca. No festão de 2009/2010 Jorginho manteve a carteira de motorista no bolso da bermuda só para não se sentir pelado e, quase na hora dos fogos, decorou os chinelos com areia e sentou de frente ao mar para levar aquele papo cabeça com Iemanjá. Negociou as posturas para o ano que prometia a saúde dos seus e as boas corridas, reclamou – de leve – das intempéries pessoais, do síndico, do trânsito, dos preços, todos loucos do ano moribundo. Empolgado, cobrou mais ação da Rainha do Mar diante de tanta bagaceira ocorrendo no mundo. A Senhora pode f

O dia de Opílio

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Opílio é o “cara”. Turma do deixa - disso, fala de veludo e pele de ébano. O sorriso conivente de anjo contrasta com os dois metros de altura com um de envergadura. Diga-se de passagem, porte totalmente desnecessário diante dos inúmeros pré-requisitos preenchidos de um tijucano culto, elegante e contido. Ocorreu que, naquela segunda-feira, Opílio entrou pela rua em que morava especialmente sem disposição para grandes ou pequenos debates, doido para tomar um banho e esticar o esqueleto diante da TV. No entanto, pressentiu com um arrepio na nuca, de que a noite seria longa. Não deu outra: em frente de casa viu, logo de cara, um Mercedes deitado sobre o seu jardim, entre eles o portão do lar todo contorcido. O “artista” tinha sumido deixando sua “obra” abandonada. Opílio não se fez de rogado. Certo de que o “artista” voltaria na madrugada para remover a “instalação modernista”, camuflado pela noite tórrida, sentinelou-se numa cadeira de praia ao lado do carro e esperou. Não deu

O bom samaritano

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- Tio, dá um trocado prá comprá um lanche. - Trocado é o cacete! Não tenho inteiro e nem trocado. E se tivesse não te daria, seu bosta! - Que-que-é-isso, tio? Tô só pedindo. - E já está me ofendendo. Sabia que você não era para existir? Pago imposto para que não tenha que ver coisas como você. Vai lá na Prefeitura, no palácio do Governo, não me interessa, vai lá pedir dinheiro para a puta-que-te-pariu; se é que você sabe quem foi. Vaza ou te encho de porrada. - Eu sou de menor. - Está na cara. Menor inteligência, menor saúde, menor limpeza, menor futuro. Ô aberração, tua mãe não te abortou por falta de grana. E não me olha com essa cara de gente que você não me engana. - Tio, paga uma empada então. - Mas você não vale nada mesmo. Nem vergonha tem. - Tenho sim, senhor. Tanto faz. Só quero comer qualquer coisa. - É. Parece que o merdinha está com fome mesmo. Aí, garçon, traz uma coxa de frango no papel para este infeliz. Agora, moleque, desaparece da minha paisagem a

No negativo é mais gostoso

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Devendo na padaria, na farmácia e no boteco, Lindinho das Beiradas, somada a ordem de despejo, começou a pensar na remota hipótese de procurar trabalho. Mas foi uma ideia que, graças ao bom Deus, passou logo quando tentou tirar no fiado cópias do currículo e o velho do armarinho fitou-o e, por cima dos óculos, pediu pagamento adiantado. Percebendo que seu crédito na praça encontrava-se sensivelmente comprometido, Lindinho não se intimidava, pedia aos amigos e familiares e pagava com eletrodomésticos velhos em troca de comida, o que na verdade não pagava nada. Depois de detonar os limites de cheque especial em três contas bancárias, partiu para o genocídio dos cartões de crédito. Agora sim, oficialmente falido, resolveu caminhar na praia e fiscalizar o ir e vir das ondas e o planar das gaivotas. Questionou-se, pela primeira vez, como conseguira torrar toda a indenização trabalhista e ainda ficar devendo a meio mundo em apenas três meses. Para uma empreitada dessas tem que ter vocação,