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Mostrando postagens de 2013

Música de elevador

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             Feliz Ano Novo com a saga de Maria do Rosário. Escrevi este conto para os que continuam na luta. http://www.divulgaescritor.com/products/musica-de-elevador/          Arrumou a trouxa envolta em três sacos pretos de lixo. Equilibrou na cabeça e partiu. Precisava chegar à estação de trem antes que a tempestade desenhada no céu virasse realidade na Terra. Acelerou o passo. Acuda minha Santa Edwiges, valei-me nesta hora. Os petardos de água batiam descompassados no plástico fazendo plim-plong, plim-plong. A rua encheu mais rápido do que as pernas alcançavam. Um pé de água deu-lhe uma rasteira. Enfiou os braços entre os cordões da trouxa antes de cair na corrente. Perdeu os chinelos, fechou os olhos e deixou o corpo ser levado. Lembrou-se do caixote que levou ainda menina na praia de Copacabana. Era só esperar a onda estourar na praia, ajeitar o biquíni, tirar a areia dos fundilhos e pronto. Você não está na praia, sua besta. Está sendo arrastada para uma vala qua
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  Estou assinando uma nova coluna no site  http://www.divulgaescritor. com/products/oasis-de-natal- por-catarina-cunha/        A crônica inaugural é a festejada "Oásis de Natal". Toda quinzena estarei publicando uma  crônica ou conto inéditos. Aguarde a de fim de ano na próxima quinzena.        Abraços,

Impressões de amor e dor em Maceió.

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A pichação no muro em Cruz das Almas anuncia: “Não seja tolo de acreditar em alguém que não pode nem transformar sua própria vida” enquanto potoqueiros agem impunemente. Sombra de barraca de palha, vento na cara, mar morno brilhando todas as cores dos meus humores em verde, azul, branco, amarelo e... preto. Preto? Arrastando sargaço com os pés estanco. Pecado, penso pulando a língua negra tingindo o mar da Ponta Verde. Pinceladas de cinza matinal. Macaxeira, tapioca, manteiga de garrafa, maxixe, quiabo, boneca de vestido de chita, amendoim cozinhado, queijo coalho, sururu de capote, agulha branca, família farta e amorosa, amigos íntimos para a eternidade. Ensopado de massunim, taioba no shoyo com velhos amigos, picolé de amendoim Caicó, paçoca, bolo de milho, canjica, mingau de aveia e inhame feito pelo próprio pai, céu estrelado, Vênus ou a estrela Dalva balançando no coqueiro? Porteira escancarada, mar que come terra, fumaça, cães fiéis e café coado na confidência das amigas.

Bienal Internacional do Livro em Maceió

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          Estarei na Bienal Internacional do Livro de Maceió no dia 30/10/13, das 19 às 22 horas autografando meus livros DEU VACA e PIPOCAS NO ASFALTO na "Praça de autógrafos". Será um momento muito especial para mim, já que não piso na minha terrinha há 12 anos e a secura é grande. Clique no link para ver o convite oficial: https://mail-attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=16c1af652f&view=att&th=141efe3e3d105c46&attid=0.1&disp=inline&safe=1&zw&saduie=AG9B_P-eXDYli_ZtOssqjgsetmt0&sadet=1382790443951&sads=lzoHHe9VHJxcDe3T1KlsKfx-S4c&sadssc=1

Pequenos detalhes em grandes momentos

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          Trabalhando oito horas por dia e estudando à noite  Mônica, viúva de marido vivo, só tinha a madrugada para ver os cadernos dos filhos, fazer seus trabalhos de faculdade e administrar o lar através de bilhetes autocolantes espalhados pela casa, na geladeira “Vitamina do Pedro às 15 horas.”, no vidro da janela do banheiro “Também gosto de banho.”, no fogão “Não fazer fritura para não empestear a casa nem nossos corações.”, no computador de Mila “Filha, só uma hora de internet por dia.”, no fundo da caixa de brinquedos do caçula Pedro “Filho, se está lendo este bilhete é porque os brinquedos estão espalhados por aí. Arrume.”,  e assim por diante. Durante o dia a luta continuava pelo celular: Como assim o gato sumiu? Procurou no armário? Embaixo da cama? Já? Você deixou o forno aberto? Então olha lá. Achou? Ótimo. Mais alguma coisa, Albertina? Pedro não comeu brócolis? Negocia com beterraba. Não dá porque o fogão não está funcionando e acabaram os fósforos? Mas para t

DE DENTRO do túnel do tempo

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          Nossa, nem me lembrava mais disso! Muito legal. Meu pai achou esse recorte de jornal no túnel do tempo.       Na verdade eu fiquei em 1º lugar no concurso porque o 1º colocado foi desclassificado posteriormente por concorrer com a tradução de um poeta francês. Nessa época eu era simpatizante da UBES, que já lutava pelo passe livre estudantil, contra o machismo e a ditadura militar.         Eu era de um idealismo inocente que hoje me faz falta; mas mantenho a essência. 

Entre o trem e a onda

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            O trem para na Central. A maré leva a onda para a plataforma enquanto o refluxo insiste. Água embarca, espuma desembarca. No meio Carlos, estática ante o redemoinho; fecha os olhos. Fura a onda sentindo a lambida do mar pelo corpo. A água está clara até os pés, fria de dar quase ar. Os poros, acupuntura. A braçada flutua de olho no horizonte, oscila para cima e para baixo. Lá adiante a onda sobe volumosa como bolo no forno correndo em sua direção. Carlos sente a puxada nas pernas anunciando recuo perfeito. Perfeito, nunca antes. Com os remos das palmas nada e nada e nada, nada a mais em direção a costa. Sentindo-se no meio, entre a crista e o Éden, perpendicula o corpo em prancha e, com o braço direito roto, quilha.  Enquanto o véu de mar o abraça, Carlos recebe os tons pastéis dos despedidos do dia, já quase nanquim borrado. A nuvem salgada domina norte-sul-leste-oeste. Breca e mergulha quase rente a si mesmo. Emerge com um movimento enxague. Gargalha as estrelas colhi

Idas, vindas e o enigma do frango assado

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         O frango girava na televisão de cachorro enquanto a fila salivava. Ida ficou na fila mais por licença poética do que por fome. Não se lembrava da última vez que sentira fome de comida. Tinha sim uma indescritível fome de gente, de letras, de sons e cores. Aquele frango pelado, empalado do rabo ao pescoço, lembrava o sofrimento de Cristo e despertava em Ida a maternidade invólucra. Deu dó, vontade de protegê-lo de tanta humilhação diante daquela horda de pecadores. A compaixão despertada num  equívoco, a falta de legenda nas pessoas e o amor imenso traduzido numa elaborada crítica, num lapso de vírgula, numa negação em manifesto de apreço.          Pensando além, que vida boa daquele frango assado. Sem questões tubulares, sem porquês assombrosos, sem futuro analítico. Apenas o quentinho do berço do inferno imune ao seu redor. Ao redor do espeto rodando, girando e sempre as voltas pro mesmo lugar fodido; feliz.          Ida encarou o enigma do frango assado com incômo

Cida e a televisão

        Em 2006 meu filho, Ian C Angeli, me intimou a participar, com o conto "Cida e a televisão" do concurso Contos do Rio, do jornal O GLOBO e fiquei entre os 10 finalistas. O tema era "futebol". Graças ao acervo do jornal O Globo pude resgatar essa publicação em 29/07/2006,  Caderno Prosa & Verso, página 2: http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?tipoConteudo=pagina&busca=a+marca+de+denser

Uma luva vermelha em Porto Alegre

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Cesário segue pela Rua dos Andradas pensando se o frio encolhe ou desperta os neurônios. Sabe que o ar inóspito empurra para debaixo das cobertas. Haja gana para comer as esquinas, placas e meios-fios gelados “à la minuta”. Anda por calçadões apinhados e vidros estilhaçados de agências bancárias. A noite anterior fora a mais longa dos últimos trinta anos e nunca estivera tão acordada. Chegaria a tempo? Na beira do Guaíba senta num banquinho improvisado vendo o povo encasacado tomando chimarrão e jogando conversa na correnteza. A garrafa térmica, o pote de erva e a cuia, que nos trópicos seria um trambolho, harmonizam-se perfeitamente entre tantos panos. É um povo bem estranho, sai de casa com sete graus molhando os ossos, todo embrulhado em várias camadas de roupas. Lá pelas tantas, com o sol subindo, vai retirando as cascas aos poucos, feito cebola. Vê-se na rua um monte de gente-varal, com casaco, suéter, cachecol, luva e gorro pendurados nos braços. Ninguém reclama, sabem qu

POR AGORA

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(Fotos Sammy Angeli)  De tanto ir e vir nas ruas de meio século Susto já não distinguir cor de grito Fato de foco Ato de rede social Social de indivíduo De tanto cair e levantar de faixas e anexos Velam meus anjos exalando bruxos Jargões devorando a história Enquanto a fúria apedreja o futuro A burrice avança rumo aos pilares De tantos deuses e demônios amontoados Refastelarem-se em festim patriótico A frágil linha da liberdade se fortalece nas ruas Ou, como reprise de filme ruim, Arrebenta.

Entre abutres

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O que a faz chorar mora na eternidade das horas. Que entre pela porta agora, para que a tua essência abutre desabe pela sala e aquele livro que você lhe deu, e não leu, repouse estático sobre os pedaços de ti. Que, antes de questionar qualquer “que”, vislumbre uma fêmea complicando e existência dos olhares e o pôr-do-sol que se consome na estática retina das ondas. Vem e vai, entra e vem e vai; para. Até então não há verdade, só uma mulher planando sobre teus pesadelos. E esta mulher sabe quem você é e de onde veio. Esta mulher gera luz sobre o passado e pedra a humilhação com um sorriso. Suga esse ser que verte líquidos por todas as bocas. A boca do dia soltando sopas de letrinhas ou furiosas maiúsculas, a boca da noite em sopa rubra em prestações mensais, branca de prazer ou de piscina estourada de neném. Pois que mortal é a enxurrada da boca da alma: os olhos molhados fixos em ti. Esse ser deslizante, ora fúria ora além, às vezes fora de hora, trafega entre os abutres com
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Tenho medo dos poetas e suas odes ao esquecimento Tenho medo dos intelectuais e suas caras de paisagem Tenho medo dos gênios e suas reticências Tenho medo dos saudáveis e seus pulmões rosados Tenho medo dos certinhos e suas verdades absolutas Tenho medo do amor imenso e suas mentiras Tenho medo dos grudentos e seus elogios vazios Tenho medo dos belos e suas luzes irritantes Tenho medo do sucesso e suas grades deslumbrantes Tenho medo da felicidade e suas armadilhas Tenho medo de você que me suga com seu coração Não durmo sobre meus neurônios Tenho medo de que, se eu fechar os olhos, tudo isso me consuma. (Foto Sammy Angeli)

À luz das begônias

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O sol matinal formava um cone de luz nos tacos da sala retendo-se nas rodas da cadeira. Olhou os pés vestidos com aquelas meias de listras coloridas. Como chegou ali aquela alegria besta para pés mortos? Pensou. A beleza refletiu nos seus olhos e levantou a mão esquerda bêbada. Na janela um beija-flor planava sugando o peito da begônia. Creuza! Creuza olha que lindo o beija-flor na begônia que eu plantei naquela primavera! Da boca saiu o som sem o próprio reconhecimento. Ooooh...beiibei...lin...gôgô...mavééé...Ahhh! - Dona Lina, para de gritar. Os vizinhos vão reclamar. - Ai...a....lí!!! - Assim não dá. Vai acabar caindo da cadeira de novo. - Bei..bei....óóó... - Minha bonequinha está muito agitada hoje. Vou te dar um calmante para descansar. Abre a boquinha, toma, vai. - Nãnã....naa...ohhh...didi...otááá! - Para de me xingar, Dona Lina, coisa feia. Vou ter de enfiar na força. Assim. Ai! A senhora me mordeu, está ficando além de torta gagá? Não quer tomar o remédio

O americano do 1401

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(Foto Sammy Angeli)          Nos corredores comenta-se a boca nervosa que o americano do 1401 foi fuzileiro boina verde, daqueles que descascam abacaxi no dente, bebe água de goteira e estanca ferida só no bafo. De poucas palavras, olhar de computação gráfica, movimentos de Matrix, áurea de Blade Runner e pele de pêssego passado cobrindo músculos atracados a ossos longos. A boca em régua nunca enverga. Embora de fala mansa, seu “bom dia” arrepia os intestinos do mais bravo dos homens. Duas pedras azuis de anel de chiclete, fincadas na cara por um dedo ogro, avisam que não veio para tomar caldinho de feijão no boteco da esquina.          Seu apartamento não emite som algum. Nem uma tevê, rádio, sequer um singelo micro-ondas tão importante para um homem solitário. Recebe entregas neandertais de pizza, uísque e água mineral com gás. Mesmo no tórrido verão brasileiro não tira o surrado blusão de militar. Suspeitam, juram até, de um estranho volume nas costas escondendo uma submetr

Ainda Alagoas

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Gaivotas na termal. Não pairo culpa. Até por que nada vejo. Evaporo entre uma nota e outra antes dos tons pastéis do céu nascer, antes do eu acordar sibila o som que tudo promete. Há de acordar algo antes da fatura, antes do cartão de crédito, antes de eu conseguir de meio olho escanear o ganho e a perda. De passagem, te foder.  Antes, antes, antes; depois, só dívida na quina da mesa. Do ontem, dos teus aqui, quisera amanhã um clique da paisagem. Eu não vejo culpa, só a bílis carente beijando pés. Não beijo pés. Nunca. Cravo meu petardo, rasgo o futuro com a inocência dos bravos, com o regurgitar dos fetos; com o ódio dos babacas mato o herói. Que me trucidem de urbanidade. Nada temo; tenho CO2 brotando dos poros e o zumbido dos insanos alimentando a carótida. Venci. Que caiam nuvens, que caia a conexão, que caiam maracujás e cajus na areia branca de Alagoas enquanto o mar lambe, goza e descansa a minha febre. Porque ninguém é o que pensa.

Esporro

Não faça ouvido moco, moleque, com esse buraco da maldade. Não te criei ouvindo canário para vomitar urubu depois de tirar os cueiros. Vou cuspir no chão e, antes de secar, quero tua cara de cagão aqui. Não adianta dar chilique nem botar tromba que eu não tenho medo de murrinha. Se apanhar na rua de novo dos maloqueiros carunchos e borrar o pino da caçoleta saiba que o cinto vai cantar na carcunda até fazer caminho de lacraia. O quê? Fala direito estrupício! Come como são e fala como doente. Parece que tem miolo mole. Como é que é? Vai retrucar empinando as ventas? Tua mãe não te deu educação? Tinhoso como o cunhado e enxerido como a sogra. Em vez de tratar a roça pra empedrar os braços fica aí de flozô com os livros até o cu da noite gastando candeeiro. Fica assim, xôxo, com vudum de preguiça. Depois me vem com renda de trancoso e não quer levar esporro. Nada de fliquiti e toma temência. Tenho dito. Pede a bença e xispa! - A bença, meu pai. - Deus te abençoe, meu filho. Passo

O ano do ovo

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         Berta encarou a tradicional lista de ansiedades do novo ano pregada na porta da geladeira: 1.    PARAR DE FUMAR 2.    DETONAR CACARECOS 3.    SER FLEXÍVEL 4.    PERDER CINCO QUILOS 5.     ABANDONAR A INTERNET 6.    NÃO LER MAIS HORÓSCOPO 7.    COLAR TACOS SOLTOS. O primeiro item há vinte anos bate ponto na lista, conquistou status de líder absoluto dos objetivos.  Cruel e cascudo, humilha Berta todos os anos e sempre volta para tirar onda com a cara dela. Por doze meses exige, cobra, lembra, enche o saco. Não vai mais tolerar toda essa opressão. Está expulso da lista. O segundo envolve grande operação de administração e logística. Quantas canetas, tesouras, penduricalhos, carregadores de celular, lembrancinhas lindas e inúteis, potes de sorvete, panos de chão, brincos, colares, dicionários, relógios, botões e imãs de geladeira precisamos numa casa? Pensando bem... Todos! Risca logo da lista e não se fala mais nisso. Berta passou a vida toda sendo cham

Nada ao acaso

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         Apressado pela Rua das Laranjeiras devora um joelho de padaria. Pensa ouvir um arfar nas costas. Olha para trás e nada vê. Continua ouvindo e andando e vez em quando olha para trás. Nada. Para no sinal da Rua Pinheiro Machado e sente o contato úmido na canela. Um vira-lata baba seu tênis. Vaza! Grita enojado. O cão para, senta e encara com a língua pendurada. Saco. Vai pra casa, cara, você está me confundindo com outro humano. Olha só: vou atravessar a rua agora. Não vem não, fica aí, é perigoso; você entendeu? O cão atravessa junto. Chegam ao laboratório para pegar resultado de exame. Entra ele, o cão é barrado pelo segurança: xô sarna! Melhor assim. Pega o resultado, rasga o envelope. Uma linha impressa e dois segundos são suficientes para minar seu futuro. Faltam pernas, anoitece, senta gelado na calçada. Pensa nas coisas a fazer, no que jamais faria e, principalmente, no que jamais deveria ter feito. Deita os braços nos joelhos. Chora para o chão. Levanta o rosto para