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Mostrando postagens de julho, 2008

Placas da sorte

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Crônica vencedora do 1º Concurso Crônicas Cariocas 2008. Bonifácio, homem cumpridor de suas obrigações matrimoniais e de ofício, pagador de impostos e fiel súdito das leis e da ordem pública, vinha de sua pequena fazenda dirigindo seu fusquinha 74 pela BR.101 assoviando um samba de Noel. Viu a blitz e diminuiu. Encostou ao primeiro sinal da autoridade. - Bom dia, sargento! – Observando o uniforme do policial. - Documentos. - Está tudo aqui, senhor. - Ligue a lanterna, pisca-pisca, limpador de pára-brisa. - Sim, senhor. -Pneus novos? - Sim, senhor. Cuido deste fusquinha como um filho. - Extintor de incêndio? Última revisão? - Tudo aqui. Na validade. - O senhor faria um teste com o bafômetro? - Claro. Onde é que eu assopro? - Parece que está tudo bem. No entanto reparei que suas placas estão totalmente encobertas. O senhor sabe quanto custa a multa pela ocultação das placas do veículo? Uma fortuna! Falta grave. – Já balançando a cabeça e pegando o talão. Bonifácio, assustado, constatou q

Dia de centopéia

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O passa-tempo urbano predileto dos desocupados da praça São Salvador é assistir o estresse instalado no engarrafamento que se forma quando o ônibus 401 não consegue fazer a curva estreita em frente a farmácia porque tem um carro estacionado na esquina. Todo mundo já conhece o desenrolar dos acontecimentos: o ônibus pára, as buzinas começam e, mais ou menos cinco minutos de orquestra depois, o motorista do carro chega apressado, é vaiado e sai cantando pneu. Todos riem e o trânsito volta a fluir. Hoje não foi assim. O babaca da vez não apareceu. Depois de vinte minutos o engarrafamento já tomava não só a Rua São Salvador, como também a Marquês de Abrantes e a Senador Vergueiro. Perdeu a graça. Soltaram as buzinas e saíram dos carros para analisar o golzinho 1.0 cor de vinho, sujo...No vidro traseiro, um decalque sugestivo escrito “amor”. Em minutos tinha uma multidão em volta do criminoso. Impropérios cabeludos foram emitidos e começaram a chutar os pneus e a bater no capô. O pior é esp

Presente Globalizado

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Tem que ser um presente inesquecível. Ela gosta de bichinhos, mas não pode ser um passarinho, ou um gatinho ou um cachorrinho qualquer. Precisa ser um bicho diferente que ela nunca mais vai me esquecer. Loja de animal exótico, isso! Ela vai ficar doidinha. Nossa, quanta coisa esquisita. Cruz-credo! Esta lagartinha tem a cara bem estranha. Toda - toda. Vou levar, embrulha para presente. É filhote? Tudo bem crescer um pouquinho. - Ô amor... Um presente? Não precisava... - É um lagarto fortinho. O homem da loja chamou de Dragão de Komodo. - Lindo! A gente dá um nome mais legal, ele é tão simpático... - Vamos ver na internet o que o bichano come. Deixe ver, deixe ver... Ih, amor, aqui diz que ele pode medir até 3,00 m, pesar 120 kg e viver até 50 anos. Vai ficar difícil aqui na quitinete. - A gente deixa o tapete só prá ele. - Ele come carne. - A casa da minha tia está cheia de ratazana. - Diz aqui também que ele come qualquer coisa, baba bactéria, fede e tem um humor péssimo. Imagine se

Milagre

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O Cristo Redentor sumiu. E logo na noite da conquista de seu glorioso título de sétima maravilha do mundo. Carregado nos braços do povo que o elegeu, evaporou. Ficou só o pedestal no morro do Corcovado. Polícia federal acionada, as investigações engatinhavam em controvérsias desconcertantes. Consta no inquérito policial que, durante a festa do Berro da Viúva, no concorridíssimo sambão mensal no bar A Paulistinha, Ele teria sido visto tomando caldo de galo e água-de-coco. Não teria negado samba no pé e nem esquecido de louvar a velha-guarda. Teria saído com estilo: de mansinho, tomando destino ignorado. As buscas prosseguiram por toda a cidade. Relatos foram registrados de sua Santíssima presença em diversos lugares: em Vila Isabel, na quadra da Mangueira e do Salgueiro simultaneamente, na Lapa, no Estácio, no baixo Leblon, no Beco do Rato, na roda de choro da praça São Salvador e na praia de Copacabana. Nessa última, já na madrugada, teria lavado seus trajes santos no sal purific

Noite livre na prisão

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Parou no sinal fechando, amarelo ainda. Poderia ter avançado, mas estava distraída. Com o que mesmo? O celular que não pára de tocar. O que esse pessoal do escritório faz da vida? Sexta-feira, dez horas da noite? Ninguém merece...Mas se não atender é aquele estresse, fica mó climão na hora do cafezinho, olhar torto e tal... - Olha só, eu tô dirigindo, não posso falar agora. É rapidinho? Tá, então fala logo que eu tô no sinal e... - Perdeu! Perdeu! - Ai-meu-deus-do-céu! Calma moço, leva tudo, é tudo seu, é seu! Ganhou! Depois te ligo... - Cala a boca, vaca! Celular! Relógio! Bolsa! Se o carro andar vai ter miolo de madame prá todo lado... - Pronto, prontinho, tá tudo aí moço... - Não me enrola não! Não me encara não, que eu tô doido prá dar um teco num hoje. Passa o espelho do rádio! Vai morrê! Vai morrê! Vai, vai acelera vaca! Não olha prá trás! Vai, vai, vai... Foi. Estranhamente a Bartolomeu Mitre pareceu-lhe tão vazia, grande e silenciosa. Quanto mais acelerava, maior era a sensação

Porque o inferno se perdeu

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Bolas de sabão explodem alopradas pelo vento Pegá-las! Pegá-las em correria desatinada Canta de roda a ciranda que foi minha e foi tua No meio da rua que mandava ladrilhar Com cerol de vidro amassado com cola polar Batatinha-frita-um-dois-três vezes pula a perna num pé só Amarelinha de um ao céu, porque o inferno se perdeu No pique da bandeira hasteada no pátio da escola Hino nacional cantado de conga e meia três quartos Sempre desarrumados tal estratégia de queimado Corre! Corre que lá vem bola! Topada e ronxa Não dói nada. Nem sarampo, catapora ou febrão Impede correr atrás de doce em dia ou noite De São Cosme e Damião.