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Mostrando postagens de agosto, 2008

Os doze pecados

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Doze meninos estavam jogando bola no campinho Veio uma bala encontrada e ficaram onze; Onze barrigas estavam crescendo Veio o desespero e ficaram dez; Dez crianças estavam estudando Veio a miséria e ficaram nove; Nove atletas estavam treinando Veio o tráfico e ficaram oito; Oito artistas estavam criando Veio a censura e ficaram sete; Sete agricultores estavam plantando Veio a fome e ficaram seis; Seis pais de família estavam trabalhando Veio o desemprego e ficaram cinco; Cinco jovens estavam vivendo Veio o álcool e ficaram quatro; Quatro belos estavam se amando Veio a doença e ficaram três; Três poderes estavam conversando Veio a corrupção e ficaram dois; Dois poderes estavam disputando Um foi morto e outro ficou mudo; O um poder estava cansado Veio o sono e foi dormir cedo.

Analfabeto

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Quando o dia nasceu, já tinha terminado de ler o livro: foram trezentas páginas sorvidas sofregamente. Fechou os olhos para digerir tudo aquilo. Depois de quinze minutos ruminantes, teve uma revelação: não sabia mais ler, muito menos entender qualquer coisa escrita. Tinha sido abduzido pelos extraterrestres da ignorância. Desespero puro. Procurou no arquivo morto o abecedário, sem sucesso. Não havia mensurado o perigo subjetivo daquele romance. Nunca mais seria o mesmo. Correu até a sala e pegou o jornal do dia anterior tentando ler as manchetes. Nada, estava completamente analfabeto. Esperançoso, pegou papel e caneta para escrever seu próprio nome...Não sabia! O nome sabia, não sabia quais sinais usar para formar seu nome! A partir daquela manhã, seria escravo da TV para saber dos acontecimentos do mundo e, para formular uma opinião, ficaria vagando entre os amigos, mendigando impressões sobre o planeta, o aquecimento global e tal. Com os nervos germinando dos poros, agarrou-se ao pri

O botão do elevador

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Cada vez que apertava o botão do elevador acendia uma luz vermelha. Isso era todo santo dia: Inês acordava, fazia xixi, tomava banho cantarolando, escovava os dentes, alimentava e alisava a gatinha, lia o jornal, aguava as plantinhas, tomava café-com-leite e pão-com-manteiga com a família, arrumava a bolsa, vestia a roupa, calçava os sapatos, separava o dinheiro trocado para a passagem, beijava os seus, abria a porta, saía, fechava a porta, descia as escadas, atravessava a praça, pegava o ônibus, sentava na janela, descia no Centro, atravessava a rua, empurrava a porta blindex, dizia bom dia sorrindo para todos no salão e...apertava o botão do elevador. Era o momento em que o tempo parava, ali, em frente ao botão do elevador. Todo dia sentia um frio na nuca, olhava para a rua e dava uma vontade de sair correndo... mas sempre olhava de volta para o botão do elevador até acender a luz vermelha. Feita a luz, a partir daquele instante, não era mais a Inês que estava ali, a nossa Inês, lemb

Quase carnaval

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Veio apressado do supermercado, passou pela mureta da praça vazia e...parou. Meia-dúzia de jovens começavam a ensaiar no coreto algo que não se conseguia identificar: banda de pífano? roda de samba? marchinha? Sei lá, era legal. Moçoilos e moçoilas de pele limpa brilhavam com seus trompetes, flautas, violinos, tamborins, repiques, cuícas, surdos e mudos. O fim da tarde dormia nas calçadas depois de um domingo puxado de praia. Quase carnaval, quase fevereiro pulsando carioca entre o sol e a chuva quente. A Aquarela do Brasil vertia da fonte enfeitiçando os anjos da praça e fazendo revoada de pombos. Bagunçando o coreto, o bloco foi se formando, criando vida, ficando abusado. E foi chegando gente da praia, gente levantando dos bares, gente saindo da padaria, dos apartamentos escuros, gente de todos os lados, de cima e de baixo. Gente de peruca azul, gente de diadema com antenas, gente de óculos de abelha, gente rindo, gente cantando, gente...gente! Um enxame foi povoando o largo. Chegou

A estrela baga

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Eram amigos do colégio e tinham em comum o gosto pela poesia, rock’n’roll, praia e um fuminho de leve depois da aula. Naquele fim de tarde de verão, último dia do ano letivo, pegaram a moto e rumaram para Fernão Velho, bucólica cidadezinha do interior de Alagoas. Estava mais para uma vila nascida de uma antiga fábrica de tecidos do que necessariamente uma cidade. As casinhas de desenho animado eram todas brancas com janelas e portas verdes. Cercada de uma rara floresta tropical, mantinha a áurea misteriosa com o cruzeiro no alto de um morro refletido no grande lago. A fábrica fechara há muito tempo, aumentando a sensação de que tudo ali parara. Chegaram ao Cruzeiro em tempo de assistir o finzinho do pôr-do-sol. O céu rosado tingia a lagoa inspirando os dois a acenderem um. Enquanto André enrolava, Simone observava uma grande estrela perto do horizonte oferecendo luz branca azulada. Parecia oscilar para cima e para baixo. Deu o primeiro tapa e perguntou o nome daquela estrelona. Andr

Meu partido alto

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Ai que este homem não me deixa trabalhar! Olha que o feijão já vai queimar! Inventa corrida na praia para relaxar Passeio na feira e camarão para ele cozinhar Deixa muita louça para lavar E abre um vinho para namorar Ai que este homem não me deixa trabalhar! Olha que o feijão já vai queimar! Pára em todas as bancas de revistas para degustar Cata besteira no chão para a casa enfeitar Canta desafinado só para me encantar Preenche os meus minutos até me acabar Ai que este homem não me deixa trabalhar! Olha que o feijão já vai queimar! Traz flores roubadas para me amansar Enche meus olhos de cinema para conversar Cobre de livros minha mente quase a expirar E vive, eternamente, a me inspirar Ai que este homem não me deixa trabalhar! Olha que o feijão já vai queimar!

Crime seriado

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- O senhor confirma a compra no valor de U$ 3.500,00 na loja Sexy Shop Baby em Nova Iorque? - Não! Não confirmo! Eu já falei que não fui eu! Nem passaporte eu tenho e minhas milhas não dão direito a tele-transporte. - Estaremos estornando o valor na próxima fatura. - E os juros também porque eu não vou pagar essa conta. - Sim, senhor. Por favor, anote o número do protocolo. Nossa, que dia! Quem será agora? - Aaaalô! - Por que você me mandou este e.mail? - Como? - Eu não gosto desse negócio de pornografia infantil. Você está doido ou se fazendo? Ainda por cima para o email do meu trabalho. Tarado! Idiota! - O que é isso Pedro? Está me estranhando? Eu não te mandei nada e muito menos... - Olha, eu não quero nem saber. Tire meu nome de sua lista e não me ligue mais ou eu te denuncio. - Espera um pouco. Não fui eu. Eu jamais... Pipipipi... Essa agora. Clonaram meu email também. Vou cancelar essa porcaria agora mesmo. Senha não confere? Caramba! Vou à polícia logo. - Quero regi

Viva a natureza!

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Armou a barraca em dez minutos e correu pelado em direção ao mar. Ninguém à esquerda ou à direita. Abaixo só areia branca e oceano azul. Acima o céu idem. Perfeito. Organizara estas férias por três meses. Aproveitava a hora do almoço para pesquisar na internet os paraísos mais inabitados. Desenhou mapas, fez planilhas de orçamento, revisão do carro. Comprou barraca, saco de dormir e todos os mantimentos listados nos melhores sites de amantes de acampamentos. Leu livros de sobrevivência, de Robson Crusoé a Almir Klink. Reservou cadernos para escrever e clássicos para ler durante o exílio de vinte dias. Fez curso de pescaria e adquiriu kit completo. Levou o básico para cozinhar, mini-farmácia e tudo mais que um homem civilizado precisa para sentir-se seguro. Na primeira semana explorou o lugar, correu, nadou. Tirou fotos do pôr-do-sol, da espuma das ondas, da barraca, das formigas, dos coqueiros e de si mesmo orgulhoso ao lado da pesca. Escreveu laudas e mais laudas sobre o assombro do s