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Mostrando postagens de novembro, 2009

Caldo Verde

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Chegou ao restaurante de estimação seco por um caldo verde. Pediu no capricho. Veio batata processada com três fiapos de couve. Virou bicho. Chamou o gerente, bateu nos peitos, exigiu explicações, desculpas e uma porção extra de couve. Não foi atendido em nada; isto é, quase nada, pois a conta chegou certinha. Sorveu o caldo de batata reclamando entre os dentes. Não houve nem um plus a mais de couve. Não pagou os dez por cento e saiu decidido a difamar o recinto gastronômico. Jurou vingança e jamais recolocar os pés naquela espelunca. Sentia-se humilhado, traído, um merda. Escreveu uma carta mal criada para os principais jornais da cidade convocando o povo a um levante em massa contra o desrespeitoso restaurante. Sua vingança não teria limites até que as portas do estabelecimento fechassem por estar às moscas. Quando a carta foi publicada, veio junto o pedido de desculpas do restaurante, que vai reforçar o treinamento da equipe e blá, blá, blá...e volte por nossa conta! Todo o ódio d

Do lado da caixa-preta

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- Eu não gosto de viajar de avião. - Quase ninguém gosta. Eu adoro. - Sei lá, me dá uma gastura, um frio no esqueleto que vai da nuca até o pino da caçoleta. - É só relaxar e curtir a paisagem. - Se eu relaxar eu vazo. - Tenta ler a revistinha de bordo. - Dá uma tonteira danada. - O tempo todo? - Não, só quando eu pisco. Preciso conversar. Que tal acidente aéreo? - Credo. Não acho apropriado. - Interessante né? É a única coisa que me acalma; falar sobre turbina explodindo, identificação de corpos, busca da caixa-preta, essas coisas. Mas o que me deixa tranquilinho mesmo é papo de turbulência e tempestade. Lembra daquele avião pulverizado no Atlântico? - Sei. Tragédia. Sofrimento. - Pois é, toda vez que entro num avião fico pensando ser meu último voo. Na verdade sonho ser o único sobrevivente, salvo milagrosamente pelo assento flutuante. Depois as entrevistas, escrever um Best-seller e - quem sabe? - até um filme em Hollywood. - Não acredito que seu sonho se realize neste voo. O céu e

Sem culpa

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Não adianta insistir. Não carrego a culpa dos judeus nem os pecados dos católicos. Nunca fui perseguida como os palestinos nem escravizada como os africanos. Não fui vítima de preconceito, maus tratos e desconheço humilhação. Conjugo verbos intransitivos com gays e homofóbicos. Cultivo machistas e feministas no meu jardim que crescem a olhos vistos. Bebo um mixproteico de militantes esquerdistas com militares torturadores no café-da-manhã. Com padres e ateus tempero minha sopa de legumes. À minha mesa farta são bem-vindos analfabetos e intelectuais, desde que não me encham o saco com abduções, catequeses e verdades absolutas. Bebo a abstinência e fumo a culpa alheia. Para quem se importa, estou rindo por baixo.