Viva a natureza!


Armou a barraca em dez minutos e correu pelado em direção ao mar. Ninguém à esquerda ou à direita. Abaixo só areia branca e oceano azul. Acima o céu idem. Perfeito.
Organizara estas férias por três meses. Aproveitava a hora do almoço para pesquisar na internet os paraísos mais inabitados. Desenhou mapas, fez planilhas de orçamento, revisão do carro. Comprou barraca, saco de dormir e todos os mantimentos listados nos melhores sites de amantes de acampamentos. Leu livros de sobrevivência, de Robson Crusoé a Almir Klink. Reservou cadernos para escrever e clássicos para ler durante o exílio de vinte dias. Fez curso de pescaria e adquiriu kit completo. Levou o básico para cozinhar, mini-farmácia e tudo mais que um homem civilizado precisa para sentir-se seguro.
Na primeira semana explorou o lugar, correu, nadou. Tirou fotos do pôr-do-sol, da espuma das ondas, da barraca, das formigas, dos coqueiros e de si mesmo orgulhoso ao lado da pesca. Escreveu laudas e mais laudas sobre o assombro do silêncio sob a luz da fogueira e a inspiração das estrelas. Dormia exausto até o sol nascer.
A segunda semana chegou tranqüila. Cheia de reticências sábias e autoconhecimento através do aprofundamento da alma e do valor do espírito no tempo e no espaço efêmero. Conversava com siris e gaivotas, brincava com o som dos ventos nos coqueiros e escrevia compulsivamente. Registrava em seu caderno cada impressão obtida na contemplação dos seres vivos, como um Darwin contemporâneo. Decidiu vender o quarto-e-sala onde morava e comprar um terreno por ali. Fazer uma cabana ecologicamente correta e viver do que a terra e o mar lhe oferecesse. Com determinação e ordem tudo é possível de ser realizado.
A terceira semana pegou nosso herói tremendo de febre e com uma dor de barriga fenomenal. Era uma coisa oleosa e líquida de um fedor infernal e impossível de ser contida a tempo de procurar uma moita. Tomou toda a farmácia e conseguiu parar só a diarréia e acalmar a febre por algumas horas. No dia seguinte acordou um pouco melhor e resolveu lavar as roupas e a barraca no mar. A operação durou mais tempo do que imaginava e, no cair da tarde, estava vermelho do sol, pisara num ouriço que não conseguia tirar nem com os dentes e a febre voltara com toda a disposição. Passou uma noite terrível lutando contra pterodátilos assassinos dentro da barraca. Acordou coberto de mordidas de mosquitos e suando frio. Foi até o espelho do carro e viu o homem-elefante, só que mais inchado, vermelho, descabelado e com olheiras enormes. Tomou um antialérgico e desmaiou o resto do dia.
Doze horas depois, com o pé latejando de dor, levantou acampamento dois dias antes do previsto. Estava exausto. Foi direto para a casa dos pais.
Tomou sopinha, recebeu beijos, cafuné, lençóis limpos, soro caseiro, pomadinha e dormiu vinte e quatro horas no ar-condicionado. Acordou comendo pão francês com ovos na manteiga e café-com-leite. É domingo, o pai faz churrasco de picanha e costela enquanto a mãe tira os espinhos do pé. Curte sua última noite de férias assistindo futebol na TV com uma bacia de pipoca com guaraná.
Chegou ao trabalho contando a grande aventura, as descobertas, os perrengues; mostrando fotos e curativos. Era puro orgulho e felicidade. Quanto a vender o apartamento e comprar o terreno, nem se lembrou de comentar.

Comentários

Unknown disse…
Conheço um cara assim.
Sammy
Ah Catarina,
Tenho estado tão distante das letras... Hoje resolvi te visitar e, pronto, lavei minha alma.
Beijos.
Sylvia

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