Impressões de amor e dor em Maceió.
A pichação no
muro em Cruz das Almas anuncia: “Não seja tolo de acreditar em alguém que não
pode nem transformar sua própria vida” enquanto potoqueiros agem impunemente.
Sombra de
barraca de palha, vento na cara, mar morno brilhando todas as cores dos meus
humores em verde, azul, branco, amarelo e... preto. Preto? Arrastando sargaço
com os pés estanco. Pecado, penso pulando a língua negra tingindo o mar da
Ponta Verde. Pinceladas de cinza matinal.
Macaxeira,
tapioca, manteiga de garrafa, maxixe, quiabo, boneca de vestido de chita,
amendoim cozinhado, queijo coalho, sururu de capote, agulha branca, família
farta e amorosa, amigos íntimos para a eternidade. Ensopado de massunim, taioba
no shoyo com velhos amigos, picolé de amendoim Caicó, paçoca, bolo de milho,
canjica, mingau de aveia e inhame feito pelo próprio pai, céu estrelado, Vênus
ou a estrela Dalva balançando no coqueiro? Porteira escancarada, mar que come
terra, fumaça, cães fiéis e café coado na confidência das amigas. Cerveja e lua
cheia botando o papo em dia. Camarão no bafo. Pegar jacaré e jogar frescobol em
Guaxuma, nascer do sol em Cruz das Almas. Casquinha de siri, chopes mais
chopes, amor ou DNA?
Feijão de corda,
carne-de-sol, farofa de farinha d’água, papo cabeça, existencial, sexual,
grandes amores, tragédias e superações. Perdas e reparações. Família,
literatura, música, cinema, trabalho e muito ócio. Artesanato, culinária,
pedagogia, administração, política, psicologia, arquitetura, medicina,
engenharia e direito, muito direito. O irmão encantado. A mãe que segue, a neta que surge.
Pitomba,
carambola, mangaba, cajá, umbu, cará assado na fava, primos presos no
estacionamento. Primas loiras, morenas, tímidas, despachadas, intelectuais, primos
sérios, brincalhões, primos e primas aos borbotões. Tios e tias visitados
outros desencontrados. Passado amaciado pelo presente apaziguador. Beijos e
abraços no corredor.
E vem aquela
chuva de mãe. Só para lavar as ruas, aguar as plantas e refrescar a dormida.
Carona
aeroporto, carona para a praia, carona para todos os lados, todo mundo aqui tem
carro e três celulares? Todo mundo frequenta os melhores restaurantes e vestem
as melhores roupas? Novas estradas,
novos shopping centers, novos viadutos. A minha cidade se transformou? É o
éden? Onde estão os pescadores, os catadores de mariscos, as rendeiras,
costureiras, os operários que constroem essa nova cidade, que limpam essas
grandes casas? É preciso andar de ônibus, ver os bairros periféricos fora da
orla turística. Ver as pessoas que lutam sem armas para sobreviver. Sentir a
lagoa Mundaú morta e soterrada aos pés de seu povo miserável mendigando sem
poder retirar seu sustento do berço poluído. Onde usar o puçá? Dignidade
enlameada em valas e mais valas fétidas jardinando as casas molambentas.
Crianças barrigudas brincam entre os destroços de uma guerra perdida. Grotas
escondidas abrigam favelas invertidas onde o mais pobre está no fundo da grota
úmida e escura. Jovens com gastos uniformes escolares catam comida no lixo
enquanto prostitutas mirins rasgam a infância recostada na grade da linha
férrea. Bocas desdentadas de idosas abandonadas anunciam a lata enferrujada de
massunim despinicado por mãos riscadas de cicatrizes e tortas de artrite.
Bêbados de cachaça-de-cabeça vagam conversando com suas chagas e desgraças.
É dia de
finados. Coroas de flores plásticas traduzem aos berros tanta beleza e dor.
Comentários
não deve haver impressões mais brasileiras... e mais de carne e osso que as suas... não deve não!