Idas, vindas e o enigma do frango assado
O
frango girava na televisão de cachorro enquanto a fila salivava. Ida ficou na
fila mais por licença poética do que por fome. Não se lembrava da última vez
que sentira fome de comida. Tinha sim uma indescritível fome de gente, de
letras, de sons e cores. Aquele frango pelado, empalado do rabo ao pescoço,
lembrava o sofrimento de Cristo e despertava em Ida a maternidade invólucra.
Deu dó, vontade de protegê-lo de tanta humilhação diante daquela horda de
pecadores. A compaixão despertada num
equívoco, a falta de legenda nas pessoas e o amor imenso traduzido numa
elaborada crítica, num lapso de vírgula, numa negação em manifesto de apreço.
Pensando
além, que vida boa daquele frango assado. Sem questões tubulares, sem porquês
assombrosos, sem futuro analítico. Apenas o quentinho do berço do inferno imune
ao seu redor. Ao redor do espeto rodando, girando e sempre as voltas pro mesmo
lugar fodido; feliz.
Ida
encarou o enigma do frango assado com incômoda sobriedade. Naquela pele tostada
e arrepiada viu a perenidade do medo e decidiu. Não ficaria mais rodando na
padaria alheia com a bunda queimando. A partir daquele dia não haveria mais
frangos aprisionados em etéreas vitrines. Ida está viva, não será assada sem
luta.
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my
Sammy