À luz das begônias



O sol matinal formava um cone de luz nos tacos da sala retendo-se nas rodas da cadeira. Olhou os pés vestidos com aquelas meias de listras coloridas. Como chegou ali aquela alegria besta para pés mortos? Pensou.
A beleza refletiu nos seus olhos e levantou a mão esquerda bêbada. Na janela um beija-flor planava sugando o peito da begônia. Creuza! Creuza olha que lindo o beija-flor na begônia que eu plantei naquela primavera! Da boca saiu o som sem o próprio reconhecimento. Ooooh...beiibei...lin...gôgô...mavééé...Ahhh!
- Dona Lina, para de gritar. Os vizinhos vão reclamar.
- Ai...a....lí!!!
- Assim não dá. Vai acabar caindo da cadeira de novo.
- Bei..bei....óóó...
- Minha bonequinha está muito agitada hoje. Vou te dar um calmante para descansar. Abre a boquinha, toma, vai.
- Nãnã....naa...ohhh...didi...otááá!
- Para de me xingar, Dona Lina, coisa feia. Vou ter de enfiar na força. Assim. Ai! A senhora me mordeu, está ficando além de torta gagá? Não quer tomar o remédio? Hein? Hein?
- Arai...!
- O beliscão é só para aprender a se comportar. Para de balançar essa mão ou vai passar o domingo amarrada de novo. Lembra a bronca que seu filho deu quando a senhora derrubou a sopa em cima da roupa dele? Ele ficou muito chateado e avisou que não vem hoje. Não chora não Dona Lina, mas que besteira... vou tirar a senhora dessa janela deprimente. Dona Lina, que sorte! Está passando aquele filme que a senhora adora “Margaridas da Prússia”.
De costas para a janela diante da tevê, viu o reflexo do que nunca tinha visto antes naqueles conhecidos campos de girassóis da Rússia: um beija-flor colorido esbaldava-se no paraíso preto-e-branco. 

Comentários

Anônimo disse…
Que coisa dolorida...não me senti bem não. Bete

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