O dia de Opílio


Opílio é o “cara”. Turma do deixa - disso, fala de veludo e pele de ébano. O sorriso conivente de anjo contrasta com os dois metros de altura com um de envergadura. Diga-se de passagem, porte totalmente desnecessário diante dos inúmeros pré-requisitos preenchidos de um tijucano culto, elegante e contido.

Ocorreu que, naquela segunda-feira, Opílio entrou pela rua em que morava especialmente sem disposição para grandes ou pequenos debates, doido para tomar um banho e esticar o esqueleto diante da TV. No entanto, pressentiu com um arrepio na nuca, de que a noite seria longa. Não deu outra: em frente de casa viu, logo de cara, um Mercedes deitado sobre o seu jardim, entre eles o portão do lar todo contorcido. O “artista” tinha sumido deixando sua “obra” abandonada.

Opílio não se fez de rogado. Certo de que o “artista” voltaria na madrugada para remover a “instalação modernista”, camuflado pela noite tórrida, sentinelou-se numa cadeira de praia ao lado do carro e esperou. Não deu outra. Duas horas da madruga o malandro aparece cheio de disposição para retirar o veículo à surdina. Opílio, com tom de voz de dar inveja a Papa santificou:

- Olha só. Às sete horas da manhã de hoje quero você aqui com um pedreiro e um ferreiro para consertar o meu portão. Às sete e quinze, se o senhor não estiver aqui, vou ficar um pouco irritado e rasgarei o primeiro pneu dessa belezura. Às sete e trinta rasgarei o segundo, e assim sucessivante. Às oito, hora do meu sagrado banho antes de ir trabalhar, incluirei no rol dos ex-pneus até o estepe.

- Pelo amor de Deus, moço, não faça isso. Dá prá notar que o carro não é meu, né? Meu pai vai me matar.

- O pai é seu, mas o portão é meu. Está perdendo tempo precioso...

O homem sai correndo em desespero.

Às sete e quinze a moto-serra fatia implacável o primeiro pneu. Sete e trinta, serra ligada, o Zé-mané aparece com duas almas remelentas. Opílio perguntou pelo material para a obra. Nada. Vieram só avaliar para mais tarde voltar. A vizinhança, formando arquibancada nas muretas, conhecendo bem os atributos do vizinho, não teve dúvidas. Lá vai mais um pneu. Dito e feito. A galera aplaude. Em prantos o “artista” ajoelha-se e promete tudo pronto até o fim do mês. Proposta errada. Opílio entrou em casa e voltou com um bujão de gás numa mão e um maçarico na outra e sentenciou:

- Chega de papo, vou explodir essa porcaria toda e vai ser agora!

Foi um corre-corre dos diabos. O “artista” também tentou correr, mas Opílio segurou-lhe pelo cangote e olhou dentro daqueles olhos rasos de cagão. Na mesma hora o filhinho-de-papai começou a soltar a língua e o bolso. Quando o valor ofertado pelo moleque, de livre coração aberto, chegou ao bastante razoável, Opílio recebeu educadamente em dinheiro, agradeceu, devolveu as chaves do veículo e mandou o traste embora desejando boa viagem.

Nunca pensou que aquele bujão vazio e maçarico quebrado seriam tão úteis um dia. No Natal, a casa de Opílio era a mais bonita da rua. Portão novo, pintura nova, e sobrou até uns trocados para instalar um pisca-pisca na roseira do jardim.

Comentários

Unknown disse…
oi catarina
passei - lí - gostei.
beijo
oi, minha campeã!! seu blog é todo sensível, desde a introdução até as histórias. Parabens querida!! Que seus sonhos se tornem realidade, rápido e indolor (rs)!

João Pedro Roriz
Unknown disse…
O Opilho é pilhado mesmo. Parabéns pela crônica, você pegou muito bem o espírito da coisa.
Bjs, Marília

Postagens mais visitadas deste blog

Porque o inferno se perdeu

Nascemos vazios

Uma luva vermelha em Porto Alegre