O carcará de pés azuis

Batizou o filho com nome nobre: Artur, o rei, não teria futuro semelhante aos seus; nascera para ser grande. Em que? Não interessa, Deus sabia, avisou.
Foi numa alvorada abafada que, Maria, sôfrega, trincou os dentes no paninho e expulsou o rebento do paraíso. Quase não sangrou e, ao ver a luz, Artur chorou.
O pai olhou pela janela e viu o céu cor-de-rosa paralisar as folhas do cajueiro, de susto. O carcará espreitou a moita, inerte, calculando o sabor da presa. Antes que a nuvem soçobrasse na caatinga, um assovio de assombro virou vento embolando a cortina de chita, assustando as moscas posseiras do cão esquálido que dormia ali, na sombra de qualquer coisa parada.
A ventania veio no maior vexame: corre daqui, corre dali, tira a roupa e o charque do varal, bota as crianças pra dentro e fecha a porteira cacarejada das galinhas.
Era o aviso.
O pai, mais que depressa, pegou Artur entre as mãos rachadas e o ergueu aos céus para ser abençoado. O Celeste arrancou de Artur o cueiro em fúria e, se não fosse a força das mãos paternas, teria levado o pequenino para Sua casa. Mas ele ficou, e não chorava mais.
Os pingos começaram a cair fazendo na terra esturricada um barulhinho oco de soco em porta de pau-de-fé. Um atrás do outro, foram encharcando o sertão de brilho; fazendo poça, riso, charco e vida.
Como começou, parou o tempo cansado deitando na roça de feijão-de-corda. O dia nasceu assim, satisfeito e abundante.
Artur, missão cumprida, mamou e dormiu sobre o seio suado de sua mãe.
Comentários