O barraco de Seu Antenor



Entra ano e sai ano o pessoal da comunidade vê o barraco do Seu Antenor se equilibrando no cocuruto de uma pedra no alto do morro cercado de bananeira. Embora considerado o morador inaugural da área, ao contrário dos demais, o velho não conseguiu botar tijolo e bater lage na residência. Foi remendando aqui e ali com chapa de metal, madeira e estuque aonde as goteiras iam mandando. Cinquenta anos se passaram sem que os temporais se dessem conta da absurda engenharia do barraco de Seu Antenor.

Este ano seria diferente. As águas caíram sem dó sobre as casas da comunidade. Rios de lama formavam cascatas entre as vielas. Os próprios moradores chamaram a Defesa Civil para convencerem o velho a sair do barraco. Era lógico que quando aquela pedra rolasse o barraco levaria consigo uma dezena de casas abaixo. Na cidade já havia diversos desmoronamentos e as autoridades, com a agenda lotadíssima, trataram de condenar a casa e partir para outras localidades. Todas as demais casas já estavam desocupadas, mesmo assim Seu Antenor não arredou pé. De seu lar, onde criou os filhos e foi muito feliz, não sairia nem morto; preferia ser enterrado naquele solo que tanto lhe deu. Quando a chuva apertou, a vizinhança amontoada na estrada ouviu um grande estrondo e assistiu horrorizada a avalanche de terra descer o morro.

Lá no alto apareceu um buraco imenso sob a pedra saliente que, feito um dente cravado na carne, mordia a terra num último gesto de desespero. Na frente do barraco via-se Seu Antenor gargalhando com os braços abertos para o céu que fuzilava seu corpo com rajadas de vento e agulhadas de chuva.

Ajoelhou-se e rezou.

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