Chinelo azul
Meio enterrou-me na areia Solar. Recebi a camiseta e a bermuda formando sobre mim um montinho abafado. Pelas tiras vi o homem entrando na água com um mergulho borboleta. Adorava vê-lo entrar no mar e sair nadando em caça deslizante ao jacaré. Depois me entediava e ficava olhando o povo passando de um lado para o outro e as crianças fazendo “castelos de areia” que mais pareciam crateras lunares rodeando dunas de estrume. No cume mais alto um canudo plástico enfiado num envelope de picolé faziam o papel de bandeira da fortaleza. Lá vem um turista ensandecido pelo calor ou pela caipirinha ou por ambos e cai no fosso do castelo. Invasão! Invasão! Gritam as crianças embolando na areia enchendo e as amídalas de areia. Depois corre todo mundo para a água para dar barrigada e sair gargalhando com zumbido nos ouvidos. Penso aqui com as minhas borrachas: essa deve ser a primeira alucinação humana de tantas que virão em suas pandêmicas vidas.
Gosto também dos humanoides desprovidos de consciência da finitude, são descolados, inocentes e desencanados. Chegam à praia vestidos de dez reais amarrados na sunga. Dão cambalhotas mortais para mergulhar, jogam futebol, altinho, vôlei e frescobol por horas debaixo de sol bebendo cerveja e comendo torresmo ou biscoito Globo e fazendo fumaça. Contrário dos humanoides informados, colados e encanados. Trazem ou alugam barraca e cadeira, já chegam de chapéu, óculos escuros e besuntam o corpo todo de protetor solar. Carregam bolsas imensas de onde tiram canga, celular e vários objetos não identificáveis. Bebem água mineral ou de coco e comem salada de frutas. O tempo de permanência na praia é determinado pelo jornal. Acabou de ler vai embora. Muitos nem olham para o mar, o céu e seus habitantes. Dia desses um tinha acabado de montar acampamento e meu dono pediu para ele dar uma olhadinha em mim por enquanto que mergulhava. Ele disse que não podia, pois já estava de saída. Pode um negócio desses?
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