Dívida histórica
Quem olhava para o meu roçado esturricado, as galinhas carecas e Vaidosa, a vaca leiteira, com as costelas assanhadas e as tetas secas, pensava logo que eu não cuidava da posse. Mas Deus é testemunha que não havia galo que, ao acordar, não me encontrasse lutando no roçado. Por mais que cavasse não brotava água nem para amolecer a terra. Os meninos sem condução ou disposição na barriga para ir até a escola por um mingau ralo, iam ficando por ali mesmo catando mandacaru e xique-xique. A mulher toda manhã vagava duas léguas com o mais velho para catar água na poça sobrada do açude. A vida cobrava mais do que dava e nem o Sol, que nunca faltou, se compadecia do nosso miserê. Um dia uns homens de sapatos pretos em carro de roda larga chegaram medindo telhado, colocando calha e cano até uma caixona enfiada no chão. Tampada que nem uma chaleira guardava a escuridão. Aí veio os meses da chuva e a caixa encheu. Os homens trouxeram médicos de fala esquisita, mas de boa mão. Um ônibu...