Meu primeiro assédio

                 


           O assunto da moda é o primeiro assédio. Antes de entrar neste ponto gostaria de contar como descobri que era diferente dos meninos. Eu tinha dez anos e não lembro o que estava fazendo. Soltando pipa, fazendo cerol, jogando queimado, pique esconde, pique bandeira, pelada, amarelinha? Não sei. Estava descalça e sem camisa, só de short, como todas as crianças que brincavam no asfalto fumegante enquanto não vinha carro. As camisas e chinelas ficavam amontoadas na calçada. Neste dia minha mãe me arrastou pra casa e me informou oficialmente: “Você é uma mocinha e não pode mostrar os peitinhos na rua.” Aleguei a mais pura verdade, que eu tinha peitos iguaizinhos aos dos meninos e que eu brigava com eles de igual também. Até os meus cabelos curtinhos e desgrenhados eram iguais aos deles.   Piorou minha situação, fiquei de castigo meia hora porque lá em casa ninguém nunca apanhou e castigo tinha limite; eu é que não tinha. Vira e mexe “esquecia” da proibição sem sentido, principalmente quando tinha que jogar no time dos sem camisa. Os meninos nunca reclamaram e eu muito menos.
         Um dia eu estava sentada na calçada esperando a vez de entrar no pique e o pai de uma amiguinha, que até então eu frequentava a casa quase diariamente, sentou do meu lado e colocou a mão direita sobre os meus ombros descendo rapidamente até o meu micro peito e apertou. Dei um pulo assustada enquanto ele saía andando apressado e olhando para o chão. 
           Naquele instante mudo algo se quebrou dentro de mim e virei mulher. Mantive segredo e nunca mais tirei minha blusinha em público. A partir daquele dia entendi que teria de lutar muito, por toda minha vida, para brincar de pique com os meninos de igual para igual. E consegui.


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