Crônica ao “presidento”

Recebi três sugestões interessantíssimas. O mestre e escritor Eduardo Selga incentivou a continuação de minha crônica indignada com o golpe parlamentar. O líder João Gilberto Krepel, com quem tive a sorte de trabalhar, pediu que eu escrevesse uma crônica a favor de Temer. E, por último, fugindo da crônica política chata e apostando na fantasia, como sugeriu o sinceríssimo escritor Rich Dan, com vocês a
 
Crônica ao “presidento”

A viagem de volta da China mexeu com os sensíveis órgãos internos do septuagenário presidente. A bílis lhe subia à língua, diante de qualquer pergunta, deixando suas palavras resumidas à enigmática expressão mesoclítica: Um pronunciamento à nação? “Fá-lo-ei amanhã”. Reunião com os ministros? “Fá-lo-ei amanhã”. Almoçar? “Fá-lo-ei amanhã”. Ir ao médico? “Fá-lo-ei amanhã”.

Assim os dias foram passando sem que o empossado saísse da toca do Jaburu para assumir a Alvorada de uma nação ascendente. A imprensa solidária rasgava-se em imagens gravadas e entrevistas retóricas para preencher o vazio estratégico.  Os partidos e empresários parceiros, inquietos com a situação, faziam dos corredores do Congresso Nacional a cede do governo. Quando o silêncio presidencial já gerava o esgotamento dos remédios tarja preta nas prateleiras das farmácias, o Excelentíssimo convocou a imprensa para um pronunciamento. O país, como conhecido até então, jamais seria o mesmo:

“Minhas primeiras palavras ao povo brasileiro foram pedindo confiança. Muito pensei sobre o assunto nos últimos dias e, para ser digno desse apreço, disponho aqui meus compromissos. Não tirarei os direitos dos trabalhadores, mas também não colocarei todo o ônus tributário nos ombros e o poder nas mãos dos empresários. Não sou covarde, logo não esperem que desvalorize pensões e aposentadorias de pessoas que não possuem força política e física; nem tão pouco coadune com altos salários, aposentadorias diferenciadas e pensões cumulativas no serviço público. Não acobertarei a sonegação fiscal e apoiarei a regulamentação do imposto sobre as grandes fortunas. Não verão minha assinatura endossar a bancada ruralista, dando aval para os grandes produtores destruírem nossas florestas, impossibilitando a sobrevivência dos povos indígenas e a agricultura familiar. Não será
 através de minha inteligência que verão os incentivos à cultura e à educação serem desviados para financiar interesses particulares e escusos. A saúde pública continuará pública como reza nossa Constituição. Não farei conchavos ou aceitarei propina na venda sucateada de bens públicos. Enfim, jamais trairei meu povo e, para honrar meu passado e as gerações futuras, convoco eleições diretas para o cargo de Presidente da República imediatamente”.


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