Os maravilhosos domingos de Constantina



Todo domingo tem feira de artesanato e chorinho na Praça São Salvador. É muito colorido e alegre. Nunca para Constantina que cultiva críticas ao belo como se fosse um vaso de espinho raro.
Caipirinhas com frutas exóticas, crianças correndo aos berros, velhos jogando dama nas mesas de granito, pula-pula, pipoca, fotografias antigas, livros raros, bolsas bordadas e tudo o mais muito caprichado. Com toda essa felicidade latente, Constantina sai de seus aposentos, também todo domingo, só para implicar. Sem um centavo se quer na bolsa, pergunta preço só para reclamar que está caríssimo para camelô que nem paga imposto. Estranha um objeto, ao saber se tratar de uma luminária diz ser a coisa mais feia que vira em sua longa vida. Abre caminho entre as pessoas à bengaladas resmungando que ninguém mais respeita idoso. Manda o chorinho tocar Ataulfo Alves e não aquela porcaria. Xinga as crianças de mal-educadas porque os pais ficam enchendo a cara em vez de domar aqueles monstrinhos. Abana fumante fingindo falta de ar, vê bolor em empada fresca e mosca em água-de-coco. Feita a rota oficial do mau-humor, escolhe sua vítima solitária. De preferência que esteja com um sorriso idiota na cara.
Começa falando do tempo. Muito calor. Dorme mal. Se a vítima reagir observando que o céu está lindo é porque vai chover. Ilustra com a constatação de que, com esse tempo maluco, morre muita gente de gripe de porco, de galinha, de gente e até de mosquito. Sem contar que a violência está aí. Ontem mesmo mataram um menino com um tiro na testa. O mundo está perdido. E não adianta disfarçar com essa gente toda na praça e nenhum carro de polícia. A qualquer momento vem uma bala perdida e puf, acabou. Se eu fosse você não ficava com esse celular dando mole. Aqui é muito perigoso. Hoje em dia está todo mundo assim, doente. E por falar nisso, rapaz, você parece meio abatido. Já vai? É isso mesmo, vá para casa que é mais seguro e tome um copo de leite quentinho.
Triunfante, Constantina olha para o céu e comenta entre os dentes: Eu falei...vai chover, e muito!

Comentários

Daniel Souza disse…
Muito boa Sra. Constantina. Ainda mais pra quem frequenta, praticamente, todas as manhãs da enfadonha São Salvador e arredores. As vzs o chopp termina às 5 e permaneço por lá até a sra. aparecer. Nas outras vezes, a ressaca me acorda e vou continuá-la.
~Vou abrir meus olhos ( e ouvidos ) para a próxima velhinha que se aproximar de meu bafo matinal.

Belo conto.
Parabéns.
D.

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