A chatice em sua excelência



Eu sou chato. Chato mesmo. E não é só uma suspeita porque minha mãe, que Deus a tenha ao seu lado fazendo tricô, fez essa revelação ainda na minha infância. Quando perguntei o porquê de ninguém querer ser meu amigo mesmo eu sendo o generoso dono da bola da pelada, exigindo apenas ser sempre o atacante e escolher o time todo. A sábia progenitora foi taxativa. Filho, você é muito chato. Que Deus me perdoe, mas você é uma mala sem alça.

A partir desse dia assumi minha chatice tendo a oportunidade de desenvolvê-la ao máximo. Hoje sou um chato inquestionável. Não perco uma oportunidade de exercer o meu dom. Ontem mesmo encontrei a gostosona do 801 no elevador e não pude – não quis – evitar comentar que aquela ridícula meia de oncinha não combinava com seu corpo escultural de cachorra de baile funk. Ponderei dissertando sobre a necessidade de algumas mulheres menos favorecidas mentalmente mostrarem uma imagem brega. Elogio rasgado. Ela não entendeu. Chamou-me de bicha escrota e deu-me com a bolsa zebrada de alças douradas no meio da cara. E olha que nem tive tempo de falar dos brincos que pareciam algemas de fetiche. Tentei imobilizar a rottweiler por trás antes que começasse a morder. A porta do elevador abriu para que o porteiro me visse engatado de conchinha na fera. Socorro tarado socorro. O tampinha pulou no meu pescoço enquanto eu gritava educadamente me larga pau-de-arara xexelento ou eu faço um pirão da tua cabeça de guaiamum. Chega a síndica das compras, tira uma banana da sacola enfia no meu olho quando alcanço seus cabelos vermelhos ameaçando quebrar aquela palha de milho dura espetada na cabeça de maracujá de gaveta. Imobilizado no chão pelo joelho do guaiamum, com a banana enfiada na boca pelo maracujá e a cachorra pisando no meu saco com o salto agulha, suspiro ao ver os homens da lei adentrando o recinto. Algemado, explico na viatura a agressão que sofrera. Cala a boca, maluco, ou perde os dentes. Absurdo. Até entendo vocês não quererem ouvir minha história, não teriam condições de entender nada mesmo. Coitados. Não conseguiram ser nada melhor na vida. Ô azar. Caramba, você quebrou meu dente seu infeliz. Sou chato. Vou processar todo mundo. E tem mais uma surpresinha: sou advogado.

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