O piano e o Opala que virou Toyota


O piano e o Opala que virou Toyota

Quando o piano despencou da nona janela e se espatifou na capota do Toyota do delegado Frazão, não ficou uma testemunha para registrar ocorrência. Quem estava no prédio se fingiu de cego e quem não estava riu muito, certo que escondido. Frazão tem fama de violento e dono da verdade. Dizem que ele foi do tempo que a polícia civil circulava por aí de Opala com a mala cheia de presunto vencido. Vizinho é lixo, mulher tem seu preço, família boa é família longe, amigo é o que paga conta. Ninguém mexe com ele.

Embora todos saibam que nos últimos tempos Frazão vem amolecendo. Dizem que por obra e graça de Norminha, professora primária de corpo e sorriso farto e massa cinzenta nem tanto. Balzaquiana de trança acima de qualquer suspeita.

O amor fincou mudanças visíveis no delegado. A camisa fechada até a gola não mais exibindo o peito cabeludo entre as correntes de ouro, o cabelo limpo e penteado, o sapato engraxado e a camisa por dentro da calça. Se não posse a careca e a barriga gestacional, poderíamos facilmente passá-lo por um dos alunos CDFs de Norminha.

A professorinha vinha domando a fera às migalhas ao chão. Um beijo no cangote, uma piscadela de olho acima do batom, uma passada de dedos suavemente na orelha. Algo além só na imaginação inebriada do pobre homem da lei. Para ela só casando e, de presente, um piano. Sempre quis ter um piano e, é claro, um homem maravilhoso como ele que lhe desse uma penca de filhos rosados e fofos, uma casa digna com pinguim na geladeira e toalha de mesa de encerado florido.

Casaram. No começo só meu pudim prá lá, minha cocada prá cá, risinhos e cochichos nos cantos. Ardências na cozinha e loucuras no banheiro. Não demorou para a falta de talento de Norminha ao piano fazer aflorar o lado mão-branca de Frazão.

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