O americano do 1401
Nos
corredores comenta-se a boca nervosa que o americano do 1401 foi fuzileiro
boina verde, daqueles que descascam abacaxi no dente, bebe água de goteira e
estanca ferida só no bafo. De poucas palavras, olhar de computação gráfica,
movimentos de Matrix, áurea de Blade Runner e pele de pêssego passado cobrindo
músculos atracados a ossos longos. A boca em régua nunca enverga. Embora de
fala mansa, seu “bom dia” arrepia os intestinos do mais bravo dos homens. Duas
pedras azuis de anel de chiclete, fincadas na cara por um dedo ogro, avisam que
não veio para tomar caldinho de feijão no boteco da esquina.
Seu
apartamento não emite som algum. Nem uma tevê, rádio, sequer um singelo
micro-ondas tão importante para um homem solitário. Recebe entregas neandertais
de pizza, uísque e água mineral com gás. Mesmo no tórrido verão brasileiro não
tira o surrado blusão de militar. Suspeitam, juram até, de um estranho volume
nas costas escondendo uma submetralhadora ou até uma bazuca. Coisa dos esteites.
Quando
tiros atravessaram o sol da manhã de domingo encontraram árvores, calçadas e
corações ainda amaciados pelo torpor das cores imberbes. Enquanto alvos urravam
a imbecilidade das vítimas, a síndica ligou para a polícia informando que o
americano do 1401 estava fazendo tiro ao alvo no povo na praça da janela do
prédio. Vários corpos jaziam no solo.
Enquanto
a polícia arrombava a porta do americano do 1401, os tiros do franco atirador
farejavam uma perna desavisada detrás da árvore, um braço fino agarrado num
esqueite, uma orelha curiosa agarrada na pilastra. Não se perdia uma bala. O
sangue marcava seu território indelével.
Quando
entraram no apartamento encontraram um aquário enorme no meio da sala.
Peixinhos coloridos desfilavam para um gato gordo e sonolento encrustado no
sofá. Na mesa de centro jasmins guardavam segredos e no chão, nada,
absolutamente nada.
Ouviu-se um grito
enganchado de CD pirata, em seguida o som oco das coisas definitivas. Coisa de
um ato só. Galho quebrando, disjuntor desarmando, topada ou amor acabando logo
acima do apartamento. Correu-se aos métodos um andar. A porta já estava entregue.
No peitoril da janela um jovem franzino
exibia o pescoço em ângulo de 90°. Pendurado no braço direito um fuzil
automático com mira telescópica de filme de sessão da tarde. Ao seu lado,
sentado no chão, o americano do 1401 observava as nuvens indomáveis. Nunca
entendera aquele povo, tão veloz, tão colorido, tão barulhento, tão puro, tão
lindo, tão estridente, tão violento, no entanto tão previsível; como as nuvens.
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