Não aguento mais gente que não aguenta mais
Antes das redes sociais, quando
não queríamos mais ouvir comentários sobre uma determinada notícia, bastava
desligar o rádio ou fechar o jornal ou se afastar disfarçadamente do chato do
momento. Hoje acordamos com o sinal de
alarme de mensagem nova no nosso celular de uma operadora invasora informando
que a seleção da Croácia pousou neste exato momento no aeroporto brasileiro.
Melhor quando o celular toca na chuva, paramos numa marquise escura e suspeita para
ouvir uma gravação que não podemos perder a incrível promoção de tablet dez
vezes melhor e mais barato que o nosso. Como não se sentir pelado numa vitrine?
Entramos no metrô e a tevê informa que a festa de casamento da socialite em São
Paulo foi deslumbrante. No noticiário do elevador fico sabendo que pesquisa
afirma que 1/3 das mulheres e ¼ dos homens preferem desabafar com os cães. Um
cachorro orelhudo vestido com um agasalho bizarro ficou à deriva para adoção no
Largo do Machado. Milhões de crianças e animais estão abandonados neste
momento, mas aquele cachorro moveu o mundo e conseguiu seu Shangri-la, foi
adotado por uma família com um harém de mais quatro cachorrinhas. Só eu recebi
a mensagem oito vezes. Queremos saber
das coisas, mas as coisas se repetem exaustivamente porque conhecemos muita
gente e as pessoas querem interagir, dar opinião, saber a nossa e assim criam
uma bola de neve sufocante. Amamos fazer parte de grupos. Assim sobrevivemos e
evoluímos. Assim também entramos em guerra e tivemos que defender nosso espaço
e zona de conforto. E na internet qual a zona de conforto necessária para o
humano, esse mamífero territorial, predador, se sentir seguro o suficiente para
não atacar o próximo gratuitamente? Como fazer com que esse animal acuado não
reaja com violência em dobro? Como evitar ver uma dona de casa ser morta como
uma bruxa da idade média e um publicitário com humor de sardinhas 88 esquartejar
um zelador porque a correspondência era mal distribuída? Eu vi um cadeirante ser
arrastado como pano de chão no hospital
porque estava sem a carteira de identidade? Pare esse trem doido, seu
maquinista, que eu quero descer! Chamem Herodes para esclarecer direitinho o
que está acontecendo. A humanidade sempre foi ruim ou está piorando a cada dia?
Ou será que apenas estamos retratando mais nossa brutalidade e covardia? Hoje
todo bolso tem uma câmera pronta para documentar as piores barbáries, antes só
faladas e palavras são facilmente esquecidas. Mas as imagens ficam no
inconsciente coletivo e se repetem, magoam e geram mais dor e mais violência. Desenvolvi
uma teoria capenga a partir de algo que li sobre gatos precisarem de vinte
metros quadrados de território para se sentirem seguros. Na minha teoria
cachorros precisam apenas da promessa de quilômetros quadrados que eles já
abanam o rabinho feliz da vida. Já grande parcela dos humanos concentra sua segurança
num teclado de, no máximo, trinta centímetros. Através das maquininhas déspotas
se agigantam, idiotas viram pensadores, a história é bulinada com requintes de
crueldade e os covardes procriam impunimente. E quantos metros quadrados tem a
internet? Onde reside o limite para não nos sentirmos invadidos em nosso
terreno, ofendidos em nossas crenças, valores e ideologias sem perdermos aquela
imperdível amiga de infância e seu filho amiguinho virtual com pensamentos tão
divergentes de nosso próprio filho? É simples. Não podemos aderir ao bloco dos
que não aguentam mais e sair por aí distribuindo veneno. Neste faroeste os
fracos não têm vez. Temos que aguentar se quisermos continuar neste mundo como
o desenhamos e você, já que leu isto até aqui, faz parte do grupo dos fortes.
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