Ninguém aprende a ser atleta em meia hora de esteira, muito menos a respeitá-lo.
Não vou falar da Copa. Ninguém
aguenta mais; nem eu. O assunto de hoje é muito mais profundo. Quero falar do
atleta, esse ser que de tão simples chega a ser complexo. Ao contrário da Copa,
FIFA, CBF, Governo, que podem ser julgados politicamente, o atleta não pode ser
confundido com elementos exteriores à sua essência. Ser atleta requer práticas
e conhecimentos físicos e mentais desconhecidos da maioria ensandecida opinante
nas redes sociais e até de alguns respeitáveis jornalistas que vêm divertindo a
população com suas crônicas “esclarecedoras” quanto à incompetência dos
jogadores.
Li
recentemente um texto apócrifo, logo covarde, que execrava os jogadores de
futebol pela imerecida rápida ascensão econômica e social sem estudar, sem
esforço. O texto alegava que a derrota da seleção brasileira para a alemã era
merecida por serem os jogadores brasileiros uma cambada de vagabundos, ignorantes
e malandros. Acho uma hipocrisia acreditar que toda sabedoria vem do estudo
acadêmico. Eu valorizo todas as formas de aprendizado. O fato de alguns atletas
semianalfabetos ganharem por mês mais do que doutores conseguem guardar a vida
inteira me incomoda? Nem um pouco. Incomoda não termos nenhum doutor,
cientista, escritor respeitável ou professor milionário com fama de herói. Mas
a culpa não é dos atletas. O desenvolvimento intelectual não depende do estudo
formal e sua aceitação social é um fenômeno que extrapola a questão do
merecimento. Minha experiência de vida e
acadêmica me provou que dedicação e talento produz mais resultado do que
estudo e investimento financeiro.
A mente do atleta não gira em
função da própria imagem ou de seus fãs, muito menos da alegria ou tristeza do
país. O atleta abre mão de várias
coisas, assim como todos nós que lutamos para realizar sonhos. O atleta sofre
com isso? Claro que sim, mas não é um sacrifício. Sacrifício ocorre quando se
abre mão de algo que se ama para beneficiar outra pessoa. O atleta visa o benefício
dele mesmo, de sua carreira e de sua família.
Como você. Mas ao contrário da maioria, começa a trabalhar muito cedo,
em média aos dez anos de idade. O verdadeiro atleta visa resultado, marcas,
bater recordes, ultrapassar seus próprios limites e para isso treina
exaustivamente. Foca, se concentra e estuda, sim, estuda muito seus movimentos,
técnicas, adversários e obstáculos. É uma escolha, mas escolha não representa
resultados. Esta é a parte cruel da vida. Nem sempre os mais esforçados serão
os vencedores. Mas todos são, indistintamente, atletas e
possuem o mesmo valor. Quem, em algum momento da vida foi atleta vai entender
esta afirmação.
No entanto quem nunca teve a
oportunidade de viver o espírito esportivo e arrisca-se no terreno íngreme da
critica esportiva em camadas de gordura intelectual e prefere transformar um
resultado esportivo negativo em hecatombe político-social psicoantropológica
com reflexo socioeconômico no clima do planeta; que vá catar coquinho, dar meia
horinha para relaxar, fazer vinte minutos de esteira que é para começar devagar
para não arrebentar as veias no primeiro dia. Não entende absolutamente nada do
mundo esportivo, mas se acha no direito de julgar atletas que treinam há dez
anos.
Ninguém aprende a ser atleta em meia
hora de esteira, muito menos a respeitá-lo. Se você frequenta a academia três
vezes por semana porque o trio do capeta fez a festa (colesterol,
triglicerídeos, glicose) ou para perder
aquele pneu indesejável você não é um atleta. Você anda estressado e antes que
mate o chefe, resolve dedicar o fim de semana para o ciclismo urbano, correr na
praia, praticar surf, yoga e aquele negócio de caminhar numa corda bamba a meio
metro do chão; funciona, relaxa, faz um bem danado, mas você não é um atleta.
Atleta é outra coisa completamente diferente. Pode procurar no dicionário. O
atleta aprende o autocontrole do corpo e da mente. Aprende muito cedo a ouvir,
obedecer, mandar, dividir e principalmente seus limites e suas potências
físicas e mentais. Isso o diferencia dos medíocres, não só em campo, como
também na vida. O atleta de ponta aprende tanto sobre si mesmo que sabe que, a
qualquer momento, o seu melhor ou o seu pior pode explodir.
O
escritor tem seu palco ao receber um prêmio literário ou autografar seu livro
na noite de lançamento, o artista plástico na vernissage, o doutor na premiação
pela tese, o atleta também pelo resultado. E assim como esses intelectuais
agradecem em seus discursos à família, a Deus, aos Mestres, etc. O atleta que
aponta para o céu oferecendo ou agradecendo a Deus a conquista, outros se
curvam para Alá. Uns fazem coraçõezinhos
com as mãos, colocam a bola embaixo da camisa imitando a gravidez da esposa. E
tem os que nem comemoram. Os carecas,
cabeludos, moicanos, fofos, canibais, todos, sem exceção, são atletas de ponta
e lutaram muito para receber o seu olhar, o seu julgamento e o direito a
existir para sempre em sua memória. Na vitória e na derrota. Se você se
esforçou e pegou o espírito da coisa, ótimo; mas você ainda não é um atleta.
Comentários
O Esporte é Espetacular. Não o da rede globo.
Eu fui atleta por uns tempos.
Admiro e respeito todos os atletas não somente aqueles "de ponta ou de alta performance".
Catarina você captou bem a essência desta incrível arte de ser um "ATLETA".
Vamos dar uma corridinha no aterro?
Sammy.