Zé, o porteiro de Copacabana

Embora muitos jurem que os porteiros de Copacabana foram produzidos em série misturando barro, xiquexique e água de açude nos cafundós do nordeste, Zé sabe ser único. Não pela origem humilde, a viagem no pau-de-arara e o misere inicial na cidade maravilhosa porque isso tudo é de praxe. Zé é o Zé porque sorri o tempo todo e não baixa os olhos diante de ninguém. E nunca negou serviço. Conhece o povo que entra e sai do prédio pelo nome, pelas sortes e azares de cada um. Mantém a timidez lapidada em discrição tão característica do retirante nordestino.

A vida lhe foi digna e, com tempo para aposentadoria, casa ampla com laje no Pavão-Pavãozinho, filhos criados e passado apaziguado, Zé deu entrada no INSS para receber o benefício e descansar. A vista escureceu quando o atendente declarou que ele não tinha contribuição alguma e como não tinha carteira de trabalho nem contra-cheque para comprovar a história, a situação fica complicada. Envergonhado, mas com sangue ainda quente, Zé voltou para o condomínio e procurou o patrão de longas datas. O síndico, velho amigo, lamentou o ocorrido e mandou que o homem procurasse seus direitos na justiça.

Zé sentiu um troço quente na nuca e o peso de mil caixas sobre os ombros arqueados. Correu para o seu antigo cafofo no porão úmido do prédio porque homem que é homem chora, desde que sozinho e no escuro para que nem ele mesmo veja. Agarrou-se ao colchão e sentiu sob a cama o cabo da peixeira aposentada. Qual a última vez que precisou usá-la? A ferrugem ajudava a contar o tempo e a lembrar das brigas, bebedeiras e desatinos da solteirice. Ainda saberia usá-la com a mesma destreza com que cortara cana na infância?

Foram quarenta peixeiradas, uma para cada ano de trabalho. Deu-se por satisfeito. Limpou o instrumento, arrumou os panos de bunda e sumiu.

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