Uma história qualquer sobre homens do bicho


Seu Canastra apontou o jogo do bicho nas redondezas do bairro por mais de quarenta anos. Lá pelas tantas viuvou e deu para beber. No começo cerveja, no final qualquer biricutíco. No sorteio das 18 horas já trocava cachorro por cavalo e cobra por galo. Da contabilidade animal passou a tirar uns trocados para molhar a palavra.

Quando Cordão de Ouro, dono do ponto, descobriu os desvios de Canastra, deu-lhe um pé na bunda como aviso prévio e, compadecido, deixou Canastra vivo à própria sorte. Sem salário, sem registro, sem teto, sem gosto, o homem aboletou-se com uma trouxa de roupa na praça e foi ficando.

Se esperto, assumiria a própria sina. Desprovido dessa dádiva, achou por bem tirar satisfações com o antigo patrão. Tomou todas e plantou-se em frente ao restaurante do bicheiro à espera. Quando Corrente de Ouro saiu,Canastra interpelou e pediu, não ajuda e sim reconhecimento pelos anos de lealdade quase total, admitia. Reconhecido, o chefão garantiu que Canastra perdesse os dentes que lhe sobravam. Ganhou chute nos rins e cara amassada a título de 13º salário, FGTS e férias proporcionais.

Jogado na calçada com lama na alma, Canastra olhou o prendedor de gravata cravejado de diamantes e voltou a implorar:

- Meu amado e justo Senhor, porque eu sou um merda e só o seu perdão me salvará. Atenda apenas um pedido deste pecador.

- Fala monte de bosta.

- Deixe-me beijar seu rosto antes do meu fim.

- Bêbado safado, sabe que tenho coração mole. Vou deixar para que você suma de vez do meu ar.

Aproximou a face da boca de Canastra o suficiente para o homem arrancar o prendedor de diamantes e enfiar na carótida do chefão. Enquanto o sangue espirrava, Canastra ria, ria, ria.

Comentários

Marcia Tavares disse…
Cada vez gosto mais do que leio.
Canastra é o bicho.
Anônimo disse…
bem feito!!!
my

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