Entre o trem e a onda


            O trem para na Central. A maré leva a onda para a plataforma enquanto o refluxo insiste. Água embarca, espuma desembarca. No meio Carlos, estática ante o redemoinho; fecha os olhos. Fura a onda sentindo a lambida do mar pelo corpo. A água está clara até os pés, fria de dar quase ar. Os poros, acupuntura. A braçada flutua de olho no horizonte, oscila para cima e para baixo. Lá adiante a onda sobe volumosa como bolo no forno correndo em sua direção. Carlos sente a puxada nas pernas anunciando recuo perfeito. Perfeito, nunca antes. Com os remos das palmas nada e nada e nada, nada a mais em direção a costa. Sentindo-se no meio, entre a crista e o Éden, perpendicula o corpo em prancha e, com o braço direito roto, quilha.  Enquanto o véu de mar o abraça, Carlos recebe os tons pastéis dos despedidos do dia, já quase nanquim borrado. A nuvem salgada domina norte-sul-leste-oeste. Breca e mergulha quase rente a si mesmo. Emerge com um movimento enxague. Gargalha as estrelas colhidas com os dois braços.

         Estação Madureira. Onda entra, onda sai. Carlos segue o fluxo e, na plataforma, é no mínimo suspeito.

Comentários

Anônimo disse…
bela metafora, bela semelhança. como sempre muito bom! parabens
my
Anônimo disse…
Só quem sabe pegar onda vai entender este poema. Catarina Cunha, você é única.
Jonatas Albuquerque

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