A fantástica viagem de Darwin pelo banheiro da Myriam



Entrou no banheiro e logo percebeu o relógio analógico na parede. 20h20min. Olhando para o sanitário percebeu a indefectível balança ao lado. 52 kg. Sentou no vaso e liberou todas aquelas palavras líqüidas acumuladas na reunião. Muita coisa. Fechou os olhos até o fim dos trabalhos. Quando reabriu, viu-se sentada no vaso com os olhos arregalados. Sentiu um pulsar constante na cabeça e, por fim, processou o ocorrido: estava na parede, dentro do relógio: 20h25min... 20h30min. Viu-se levantar, vestir-se novamente e subir na balança. 20h32min. Sentiu a pressão no peito: 51,900kg. Perdera 100g e a identidade. O tempo passava latejando na nuca com o peso das costas. Pesaria sua existência apenas 100g? 20h33min. Como voltar para a reunião sendo uma balança-relógio? Calma, é a cerveja. 20h34min. Feche os olhos e abra a porta do banheiro para tudo voltar ao normal. Ao abrir, o que viu? Ledo engano. 20h35min. Melhor fechar. Impossível fechar. As engrenagens batiam no peito. 20h36min. Números surgiam a cada segundo e apenas números, 20h37min, nenhuma letra, só horas, 20h38min, minutos, segundos, quilos e gramas, 20h...39...40...41...min.
Onde estava com a cabeça quando entrou naquele banheiro? Na bexiga, com certeza, na bexiga. Fora sugado pelo pesado túnel do tempo. Sem palavras, sem letras, preso no interminável cálculo das horas da evolução. É preciso se adaptar ao ritmo e sobreviver.

Comentários

Catarina,
Você é um gênio. Sua criação é fantástica.
Aproveitei para ler os outros textos que ainda não tinha visto, não por indiferença, mas por absoluta falta de tempo.
Você sabe que serei sua fã até a morte.
Beijos.
Sylvia

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