O último baile


- Bom dia, minha paixão! Hoje faz vinte anos que eu te amo!
- Ah, meu amor, que gracinha... Você lembrou!
- Claro. Como eu poderia esquecer o dia mais importante da minha vida? Hoje vamos sair, dançar e, quem sabe um hotelzinho? Heim? Heim?
- E a gente está podendo?
- Dá-se um jeito. Quero você bem bonita esta noite...
- Pode deixar.
Fez a faxina do dia bem rápido. Tomando o maior cuidado para não quebrar as unhas e nem deixar inhaca de água-sanitária. Chegou ao salão, fez o cabelo e as unhas. Vermelhas. Cor da paixão. Passou no shopping da Uruguaiana e comprou um vestido da cor das unhas e pintou a boca de paixão. Voltou na casa da patroa e terminou de se emperiquitar. Chegou à casa linda, maravilhosa, com o rosto em brasas radiantes... Para encontrar o traste bêbado, todo mijado, esponjado na cama sagrada.
A filha, com dó, chamou a mãe para o baile funk para aproveitar todo aquele empreendimento. Enxugou a raiva que escorria pelo queixo e foi. Ficou lá, deslocada, o peito apertando mais do que o sapato. A vergonha maior do que as unhas e os cabelos presos num lindo coque de desprezo.
Voltou para casa às três horas da madrugada. Mais sóbria do que gostaria e menos do que conhecia, entrou na vila esperançosa de encontrar o traste na porta ansioso, preocupado com sua amada. Mas na mesma posição que o deixou, estava. Tirou a maquiagem e a roupa lentamente. Na ponta dos pés deitou ao lado daquele resto de homem.
Às cinco horas, o resto acordou com cheiro de vômito, passando a mão, querendo coisas. Mandou-o enfiar aquilo numa garrafa e virou para a parede.
Perdeu o gosto de comemorar aquela data. Não sabe por que ainda não deixou aquele homem.

Comentários

Catarina Cunha disse…
Catarina, Sua linguagem forte e crua tem um estilo personalíssimo que me arrebata. Beijos. Sylvia

Sylvia | Email | Homepage | 06-05-2008 19:56:08

Postagens mais visitadas deste blog

Porque o inferno se perdeu

Nascemos vazios

Uma luva vermelha em Porto Alegre