Manga com leite



Entrou no boteco, bateu no balcão e gritou:
- Bota aí um copo de leite batido com manga e chumbinho que hoje eu quero morrer!
- Leite com manga? Não tem não senhor.
- Ah! Então traz cachaça de cabeça e um chope. Na pressão. Demoro a morrer, mas morro!
Virou o pedido e devorou uma empada de frango para empapuçar logo. Quem sabe conseguiria acabar com o sofrimento entalado? Fumou três cigarros emendados um no outro para não apagar. Tossiu tal qual cachorro sarnento, cuspiu no chão e latiu:
- Hoje eu morro! Sai mais uma manga com leite na pressão!
- ?
- O mesmo! O mesmo! Tem que explicar tudo aqui...
Mais três cigarros e pensou na Lurdinha rebolando com a safadeza dos dentes arreganhados no pagode. Aquelas toras de pernas suadas esbarrando em tudo quanto é tipo de malandro. Malvada.
- Hoje eu morro e ela vai chorar rosas vermelhas de sangue no meu caixão! Mais um queijo com molho de manga!
Abraçou os olhos com as mãos para não ver a lembrança de Lurdinha entrando no banheiro com o playboy. Saindo toda serelepe, se ajeitando. Passando diante de seu desespero e soprando uma dúvida de hálito doce em seu ouvido. Saindo gargalhando em ondas pela calçada morena. Levou com ela o perfume da dama-da-noite, flor do verão. O mundo ficou sem cheiro, sem som, sem dentes.
- Vou morrer banguela! Cadê minha manga com leite? Traz mais! Traz mais!
Enfiou a mão entre os botões da camisa encontrando o próprio coração destroçado. Bufou com a imagem de Lurdinha chegando sorrateira num comprimento único: apertando levemente seu mamilo esquerdo. Gritou:
- Sai um chantilly de manga!
Esvaziou os copos enquanto tentava equacionar Lurdinha no lado dormente do cérebro. Gemeu:
- Lurdinha...
- Ôi, amor!
Mão quente no mamilo esquerdo.
- Traíra! O que você está fazendo aqui? Veio assistir o meu fim?
- Já chapou o coco, nego?
- Eu vi tudo...Você no banheiro com o playboy...
- O Marcelinho?
- Não brinca comigo, minha flor, que eu sou capaz de fazer uma loucura...
- Você está com ciúmes do Marcelinho? Ah! Bobinho, da fruta que eu gosto ele come até o caroço.
- Jura?
- E precisa?
- Hoje eu morro!
- Vem cá meu nego...
- Eu morro...Eu morro...

Comentários

Anônimo disse…
OI Catarina! sou do grupo tjrj2008! vim conferir o seu blog! Adorei seus textos!! :-) Abs Roberta

Roberta | Email | 12-03-2008 11:39:14



Catarina, Seu talento precisa ser apreciado pelo mundo. Você é demais! Sylvia

Sylvia Regina Marin | Email | Homepage | 01-03-2008 19:27:01

Postagens mais visitadas deste blog

Porque o inferno se perdeu

Nascemos vazios

Uma luva vermelha em Porto Alegre